Esses dias uma amiga que me contou que, quando entra em crise e não sabe o que fazer, costuma pedir por um encontro. Não entendi. Com um psicanalista? Com uma cartomante? Falou que nunca sabe com quem. Essa, inclusive, é a graça: a vida sempre lhe traz alguém inesperado que, de alguma forma, aponta o que fazer.
Citou o exemplo de um dia em que estava viajando, desesperada com alguma questão pessoal. “Me dê um encontro”, repetiu várias vezes, até que viu surgir, no café onde estava, uma senhora, que se sentou ao seu lado. Do alto de sua octogenária experiência, a senhora não apenas puxou assunto, como lançou colocações que pousaram como dardos no conflito que minha amiga estava vivendo.
Fiquei com aquilo na cabeça, pensando quantas vezes um encontro desses poderia ter me salvado de angústias e pensamentos em espiral. Até me dar conta de que, mesmo eu não tendo pedido, a vida já tinha me dado alguns desses encontros.
Um deles aconteceu quando eu tinha 24 anos e estudava roteiro para cinema nos Estados Unidos. Tendo deixado no Brasil o grande (daquela época) amor da minha vida, não sabia o que fazer: voltar para casarmos ou findar a relação para abraçar a possibilidade profissional que surgia para mim naquele país.
Sem ter com quem me aconselhar (ligar para o Brasil era caro e em Nova York eu tinha apenas um amigo, tão imaturo quanto eu), comecei a andar de um trem de metrô para o outro por horas, sem destino.
Eis que, naquela cidade de 8 milhões de habitantes, entra no vagão uma mulher que eu havia conhecido dias antes. Apesar das minhas olheiras, me reconheceu. Sentou-se ao meu lado, pegou as minhas mãos e, sem nem saber direito o que estava acontecendo, disse o que eu precisava ouvir, saltando do trem na estação seguinte.
Meu outro encontro foi mais inusitado, diria até sobre-humano. Eu participava de uma tenda de temazcal. Uma espécie de iglu feito de cobertores, com uma fogueira no centro e frequentadores dispostos em torno da chama, com o intuito de suar numa limpeza terapêutica.
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Como o espaço da tenda era baixo e exíguo, estávamos colados uns aos outros, restando apenas alguns centímetros para cada um se reclinar. Para completar o desconforto, alguns, que tomavam ayahuasca, usavam o pouco espaço restante para vomitar.
Num certo momento, a tenda foi aberta para que entrasse um pouco de ar. Junto com o oxigênio, entrou um cachorro enorme, que permaneceu lá dentro quando a porta se fechou. Não havia espaço para o bicho e eu só pensava: que não ocupe meu mísero espaço. Até parece que o cão ouviu, porque resolveu se colocar bem atrás das minhas costas, ocupando os únicos centímetros livres que eu tinha.
Tonta por todos os motivos imagináveis, resignei-me a me reclinar sobre o cachorro. Ali deitada, pele contra pelo, minha respiração desesperada acabou por se cadenciar com a do animal e tive a sensação de que éramos um, sentindo uma conexão que nunca antes havia sentido com a natureza e fazendo o que custo para fazer: abandonar o controle.
Ainda que a gente não peça, a vida nos traz encontros. Resta percebê-los. Ou como diria Ney Matogrosso, estar “atento aos sinais”, por mais esquisitos e peludos que possam ser.
Fonte ==> Folha SP