Você sempre ouviu dizer que o arranjo para “Eleanor Rigby”, dos Beatles (faixa 2 do lado A do álbum “Revolver”, de 1966), lembrava o respeitadíssimo compositor americano Bernard Herrmann, autor da música para os filmes de Alfred Hitchcock, não? Falou-se muito disso naquele ano. Pela primeira vez, um grupo de rock se atrevia a enriquecer suas guitarras com um naipe de cordas —quatro violinos, duas violas, dois cellos—, fazendo um contraponto dramático às vozes de Paul McCartney e John Lennon sobre a mulher triste e abandonada que morre numa igreja anônima e ninguém vai a seu enterro.
Mas não é que as cordas de “Eleanor Rigby” lembrassem Bernard Herrmann. George Martin, produtor dos Beatles, revelou que, por ideia de Paul, elas foram inspiradas de propósito na cortante música de Herrmann para “Psicose” (1960). (Para mim, não inspiradas, mas uma citação nota por nota.) O fato é que, dali, os Beatles, já vistos como uma exceção num gênero para menores de 13 anos, partiram para a revolução de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” e foram descobertos pelos adultos.
Até aí, nada demais. O surpreendente foi ler no livro “Hitchcock & Herrmann”, de Steven C. Smith, de que falei aqui no domingo (26), que Bernard Herrmann, a trabalho em Liverpool em 1961, fora levado a um clube, The Cavern, conhecera um quarteto de rock chamado The Beatles e se empolgara com o que ouvira. De volta a Hollywood, tocou para seus colegas dos estúdios um demo que ganhara deles, contendo a batidíssima “When The Saints Go Marchin’ In”, e exclamava: “Veja que modulação! É digna de Beethoven!”. Acharam que ele ficara lelé.
Pois Herrmann até levou o demo à CBS e a outras gravadoras, em vão. “Todas riram de mim”, disse. “Poderiam ter contratado os Beatles por quase nada. Mas nenhuma se interessou”.
Em 1966, o admirado Herrmann ficou maldito nos estúdios porque se recusava a escrever canções de sucesso para os filmes que musicava. Já os Beatles não tinham escolha —tudo que faziam era sucesso.
Fonte ==> Folha SP