De uma coisa ninguém pode acusar a direita escrota que tomou de assalto este país nas últimas décadas: eles dizem o que pensam e agem segundo o que dizem. Sutileza zero, mas pelo menos a gente não tem o trabalho de cavoucar segundas intenções onde há brutalidade escancarada.
Veja-se, por exemplo, o que disse o prefeito da maior cidade deste país acerca da recente colocação de um certo adereço fashion no tornozelo do nosso golpista favorito: “Queria deixar aqui minha solidariedade ao que está passando o presidente Jair Bolsonaro, que não tem nenhum crime de roubo, de furto, de desvios”. Não sei se o leitor reparou, mas o final da frase encapsula a moralidade desse pessoal. Coisa feia mesmo é só “roubo, furto, desvios”. Ameaçar a democracia? Colocar a vida dos outros em risco? Aí depende de quem, né? Tem gente, afinal, que merece pau de arara.
Portanto, já que sutileza virou perda de tempo no Brasil, e que quase metade da população parece achar que o único tipo de crime digno do nome é o de roubar, serei o mais tosco possível aqui. Nesta semana, quase 300 ladrões aproveitaram a madrugada e a votação online para cometer um assalto sem precedentes no Congresso.
São larápios da mesma cepa dos que, em 2016, naquele plenário, batiam no peito para falar “da minha família”, “dos meus filhos”, e que agora nem se deram ao trabalho de picar cartão no presencial para roubar o futuro dos meus, dos seus, dos nossos filhos e netos porque, afinal, eles têm contas a pagar com os padrinhos do agro, da mineração e quiçá de coisas mais obscuras.
Refiro-me, é claro, ao PL da Devastação aprovado na Câmara, uma peça de legislação que eu ficaria tentado a definir como coisa de supervilão se o equivalente brasileiro do Lex Luthor, nesse caso, não fosse o Kim Kataguiri. (O fato de ele e outras figuras do MBL terem ganhado a notoriedade que tiveram nos últimos anos é o sinal mais claro de que as redes sociais transformaram o cérebro de boa parte dos brasileiros em purê, mas isso é outra história.)
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O PL da Devastação é o triunfo do pensamento de curto prazo, do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, a começar pelo fato de que dinamitar a legislação ambiental brasileira significa conferir ainda mais poder aos setores econômicos mais concentradores de renda do país. Que ninguém se engane: os empregos criados por esse tipo de medida serão proporcionalmente poucos e mal remunerados –excetuando-se, é claro, uma meia dúzia de gestores e executivos no topo da cadeia alimentar. (Cadeia alimentar? Eles vão se alimentar de quê, exatamente? Meia-noite eu te conto.)
Nem mesmo essa mixaria de empregos, porém, será suficiente para mitigar o fato de que estaremos, em termos geracionais, vendendo o almoço para pagar a janta. Dilapidando recursos naturais não renováveis e “minerando” até mesmo os renováveis num cenário em que temperatura, chuva e, consequentemente, o próprio potencial de crescimento da biomassa, a nossa aparente mágica da agricultura tropical, não serão mais os mesmos.
Isso, ao menos, é líquido e certo. Há uma infinidade de tempestades a caminho, e cada serra elétrica ligada, cada correntão e cada queimada tão amados pelos 300 ladrões do futuro diminuem a chance de que o Brasil continue habitável, não daqui a cem anos, mas daqui a 20, ou a dez. E, caso eles ainda não tenham percebido, não dá pra colocar ar-condicionado em plantação de soja.
Fonte ==> Folha SP