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A escavadeira franco-brasileira e o homem americano – 08/06/2025 – Marcelo Leite

A imagem mostra uma mulher idosa com cabelo grisalho e uma blusa vermelha. Ela está sorrindo e parece estar em um ambiente com um fundo colorido, onde predominam tons de vermelho e laranja. A iluminação é suave, destacando seu rosto e expressões.

Várias postagens sobre a morte de Niède Guidon beiram a hagiografia, tantos os elogios à arqueóloga. Elogios merecidos, de resto, pois foi graças a essa destemida pequena mulher que o Brasil conta com os acachapantes 1.290 km2 do Parque Nacional Serra da Capivara.

Nascida no Brasil de família francesa, iniciou carreira como arqueóloga e nela se destacou mais como empreendedora e militante da preservação de centenas de sítios com pinturas rupestres no perímetro do parque. Sem ela a unidade de conservação jamais alcançaria o status de patrimônio nacional e da humanidade (Unesco).

Por mais de meio século, Niède lutou com garras afiadas por seu feudo em São Raimundo Nonato (PI). Escavou sítios que renderam esqueletos, artefatos de pedra e vestígios de carvão interpretados por seu grupo como provas da presença de seres humanos na região em passado distante, da ordem 50 mil anos atrás, ou muito mais.

Dessas datações originou-se a controvérsia que marcaria sua fama de adversária temível. Elas contribuíram para abalar o chamado paradigma de Clovis, que fixa em 12-13 mil anos o limiar mais antigo da presença humana no continente, com base nos vestígios desse sítio no Novo México (EUA), mas a antiguidade do homem americano reivindicada por Niède nunca foi consensualmente aceita.

Em 1993, ela organizou em São Raimundo um seminário com a presença de arqueólogos dos EUA que também questionavam o cânone, entre eles David Meltzer, James Adovasio e Tom Dillehay. Foi um desastre, como narra a reportagem “A falha arqueológica do Brasil” (2000), para a reputação da franco-brasileira, que se formara na USP e se doutorara na França.

Os gringos examinaram meio milhar de artefatos líticos e o que os pesquisadores do Brasil diziam ser restos de uma fogueira estruturada, mas não se deram por convencidos. O trio publicou em dezembro de 1994 um artigo no periódico Antiquity ressalvando que tais indícios poderiam ter resultado de processos naturais, como quedas de rochas e incêndios florestais, sem intervenção humana.

“Não temos nada a aprender com os americanos”, ela me disse durante visita à Pedra Furada 25 anos atrás. “Eu tenho uma formação de primeira classe e não são os meus colegas americanos que vão poder me dar lição.”

Insinuou, na época, que seus críticos tinham motivação pragmática para não bater de frente com a turma de Clovis: “Eu vi o próprio Dillehay apresentando num congresso a data de 33 mil anos [para o sítio de Monte Verde, no Chile], mas ele mesmo disse depois que preferia não falar mais, porque levou muita porrada na cabeça e ficou com medo de ficar sem dinheiro.”

Assim era Niède, que dirigia sua picape Frontier pelas estradas de chão piauiense com uma garrafa de água mineral francesa no console. Enfrentava caçadores e garimpeiros de calcário, que danificavam as gravuras milenares nos abrigos de rocha, com a mesma braveza com que assediava críticos de suas convicções.

Nenhum deles, em especial os machos do Norte que dominavam a arqueologia do continente até o trator Guidon entrar em cena, partirá deste mundo com uma obra da importância do Parque Nacional Serra da Capivara em favor de testemunhos artísticos legados pelos primeiros americanos.



Fonte ==> Folha SP

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