O governo Lula deve enfrentar dificuldades para sustentar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na audiência de conciliação convocada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A iniciativa do magistrado, que busca mediar o impasse entre Executivo e Congresso, tem provocado forte reação de parlamentares de oposição e do centro, que veem na medida uma tentativa indevida de reverter uma decisão política já tomada pelo Legislativo.
A alta do IOF fazia parte da estratégia do Ministério da Fazenda para elevar a arrecadação e cumprir metas do novo arcabouço fiscal. A estimativa da Receita era de impacto positivo de R$ 12 bilhões em 2025. O Congresso, no entanto, derrubou o decreto em votação simbólica no Senado e expressiva na Câmara – com 383 votos favoráveis à revogação e 98 contrários, naquela que foi considerada a maior derrota do governo neste mandato.
A decisão de Moraes suspendeu tanto o decreto do governo que elevava a alíquota quanto a resolução do Congresso que o derrubava. Na prática, manteve as alíquotas — o que representou uma vitória momentânea do Legislativo. A audiência está marcada para 15 de julho e deverá reunir representantes do Planalto e do Congresso.
Governo aposta em compensação do IOF
Entre as alternativas para negociação, o Planalto tem uma Medida Provisória pronta que acaba com a isenção de Imposto de Renda (IR) de títulos incentivados, como LCA e LCI, e prevê tributação em 5% a partir do ano que vem. Representantes da bancada do agro já se posicionaram contra a taxação das Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e prometem barrar a medida.
Além disso, a MP adota uma alíquota de 17,5% para os demais investimentos no mercado financeiro, incluindo criptomoedas. Atualmente, a tributação é regressiva, de 22,5% a 15%, de acordo com o tempo de aplicação.
Também está previsto na MP um aumento do IR sobre a distribuição de Juros sobre Capital Próprio (JCP), de 15% para 20%, assim como a elevação de 9% para 15% da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) das fintechs. Há ainda o aumento da taxação das bets, de 12% para 18%.
Se não houver acordo, Moraes pode submeter o caso ao plenário do STF, para julgamento do mérito, ou seja, a constitucionalidade dos atos do governo e do Congresso. Moraes propôs a conciliação, afirmando que há “dúvidas razoáveis” sobre o caráter do aumento, que poderia ter finalidade arrecadatória, o que foge à natureza constitucional do IOF como imposto regulatório.
A principal dificuldade do governo será contrapor esse argumento, já que a defesa declarada se baseou exatamente na premissa da necessidade de ajuste das contas. Dados recentes também minam essa narrativa: em junho, a arrecadação com o imposto saltou 35,6% em relação a maio, alcançando R$ 8 bilhões, segundo a plataforma Siga Brasil, do Senado.
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Parlamentares denunciam “intromissão” do Supremo
Para parlamentares da oposição, no entanto, há a percepção de que o Supremo ultrapassou os limites institucionais ao interferir no mérito da decisão. “Para mim, é um grande absurdo o que está acontecendo porque o STF não deveria se intrometer no Poder Legislativo”, afirmou o deputado Bibo Nunes nesta terça-feira (8). “Foram 594 parlamentares que decidiram, votaram, está totalmente dentro da Constituição. O STF está fazendo um péssimo serviço ao se intrometer nesse caso.”
A deputada federal Any Ortiz (Cidadania-RS) reforça a crítica e afirma que Moraes extrapola a competência do Judiciário e invade as prerrogativas do Legislativo. “O STF não tem que se meter da forma como está fazendo”, afirmou Ortiz. “Tem que julgar apenas o que foi objeto da petição e não chamar uma reunião. Vejo como um equívoco muito grande esse posicionamento do Alexandre de Moraes de querer chamar uma reunião, como se fosse juntar “crianças” para se entenderem”, ironizou.
Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar pelo Empreendedorismo, foi ainda mais contundente. “Eu acho que o Alexandre [de Moraes] extrapolou nesse momento em que ele chama os dois presidentes e o governo para sentar numa mesa de conciliação com um poder moderador, uma figura que não existe na Constituição. Muito menos sendo exercida por um membro do Supremo. Na minha opinião, os dois presidentes da Casa nem deveriam comparecer à reunião de conciliação.”
Governo revive “nós contra eles”
Para justificar o aumento do IOF, o governo e a militância do PT têm dobrado aposta na narrativa de “ricos contra pobres” ou “nós contra eles”, a exemplo de estratégias anteriores. Paralelamente, campanhas em defesa da “taxação BBB”, em referência a “bilionários, bets e bancos” — vêm sendo capitaneadas e impulsionadas nas redes sociais com vídeos com linguagem jovem. Até um meme de gatinho foi postado no X em alusão aos “pets” que vivem em mansões.
Nesta terça-feira (8), Bibo Nunes afirmou que o governo tem alimentado o “discurso de ódio” – que ele tanto critica – contra o Legislativo. O deputado citou reportagens da imprensa que apontam gastos de R$ 173 mil com impulsionamento de postagens que promovem uma suposta “segregação entre ricos e pobres”.
Ortiz também contesta o argumento de que o aumento do IOF afetaria apenas “o andar de cima”: “Não é verdade que o IOF só vai atingir a classe mais alta. Impacta todo mundo, principalmente quem usa cheque especial ou parcela o cartão de crédito. Isso não acontece só com quem tá no andar de cima”, diz a deputada.
“Isso é um discurso antigo do PT. Resgatam essa narrativa de ricos contra pobres, negros contra brancos, para tentar se manter no poder. E é curioso, porque o slogan do governo é ‘União e Reconstrução’. Pegaram o slogan, jogaram no lixo”.
Para Domingos Sávio (PL-MG), no entanto, a narrativa é frágil. “Se você aumenta o IOF, é claro que impacta também de forma direta nos investimentos, nas operações financeiras e repercute no tomador de crédito, a população toda. Todo mundo sabe que é assim”, afirmou.
Motta se diz disposto a negociar o IOF
Os governistas, por sua vez, comemoram que a gestão petista finalmente tenha aprendido a trabalhar com redes sociais. O ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Sidônio Palmeira, deve participar de uma audiência na Comissão de Comunicação na quarta-feira (9) e a expectativa de parlamentares é de que ele seja questionado sobre impulsionamentos e a campanha do PT.
Na reunião de líderes da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (8), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), alvo preferencial dos ataques da militância governista nas redes sociais, recebeu solidariedade de seus pares pelos ataques sofridos. Diversos deputados acusaram o governo de instigar ataques ao Legislativo e criticaram o uso de impulsionamento de conteúdo para, segundo eles, “agredir o Parlamento”.
Mesmo assim, o presidente da Câmara se diz disposto a negociar. “Vamos dialogar com todo mundo. A intenção é encontrar uma saída”. Há uma expectativa de encontro dos presidentes das Casas Legislativas ainda esta semana com o presidente Lula ou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Os parlamentares cobram do presidente da Câmara o compromisso com o não aumento de impostos. “Não tem mais espaço para impostos no Brasil”, afirma Ortiz. Para Nunes, Hugo Motta precisa ter firmeza diante da crise para não acirra ainda mais o conflito entre os Poderes.
“Ele [Motta] foi bem em colocar a votação [que derrubou do projeto do governo] e agora tem que ser firme, representando o Poder Legislativo”, diz. Sávio afirma que o governo já errou ao publicar o decreto do IOF. “O segundo erro será subestimar o Congresso.”
Fonte ==> UOL