Por ironia ou capricho, quis o destino que a última quinta-feira, dia 10 de julho, fosse marcada por duas decisões opostas em termos de representatividade de gênero e raça em instâncias de poder e decisão no Brasil. Tomadas em esferas distintas —uma no âmbito público e outra no privado—, ambas dão o que pensar.
No Rio de Janeiro, a Academia Brasileira de Letras (ABL) elegeu uma mulher negra, a renomada escritora Ana Maria Gonçalves, autora do romance “Um Defeito de Cor”, para integrar seu rol de imortais pela primeira vez nos 128 anos da instituição.
Em Brasília, o Diário Oficial da União (DOU) informava que outra mulher, a advogada Vera Lúcia Santana de Araújo, detentora de notório saber jurídico, não se tornaria a primeira negra a compor o quadro de ministros titulares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos 93 anos de existência da Corte.
Concordo plenamente com a observação feita pela escritora Conceição Evaristo ao ser preterida na disputa por uma das cadeiras da ABL há sete anos: “o importante não é ser a primeira, o importante é abrir caminhos”. A questão é que essa abertura de caminhos depende da vontade de uma sociedade racista e comandada por homens brancos mais do que do mérito de pretos e pardos –não importa o gênero.
Num Estado democrático de Direito, representatividade é um pressuposto muito importante. Além de garantir a participação de todos nos debates e nas decisões de interesse geral, constrói identidade e subjetividade.
Quando uma mulher negra alcança um cargo de comando, gestão, decisão, influência, ela sinaliza que outras iguais a ela também podem ocupar espaços dessa natureza.
Uma nação que não valoriza a participação representativa de seus cidadãos jamais irá se desenvolver de forma justa e igualitária. Ir além da retórica é fundamental para romper com a lógica excludente do racismo institucional que cotidianamente nega oportunidades de representação histórica às negras e aos negros deste país.
Fonte ==> Folha SP