Historicamente, as mulheres foram ensinadas a silenciar suas dores, fossem elas físicas ou psicológicas. Cólicas incapacitantes, dores na relação sexual, sangramento intenso e questões emocionais foram consideradas fragilidades fúteis e ignoradas para que a vida seguisse seu fluxo “normal”. Hoje, urge a necessidade de desconstruirmos essa ideia. O que te faz sentir dor, desconforto e te incapacita de atividades diárias não é normal.
Por isso, precisamos falar sobre a endometriose, uma doença crônica e inflamatória, que acomete cerca de 190 milhões de mulheres e meninas em idade reprodutiva no mundo todo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, estima-se que mais de 8 milhões de mulheres convivam com a doença, muitas vezes sem diagnóstico, tratamento adequado e acolhimento.
Apesar de todos os avanços sobre as discussões de gênero, a saúde da mulher ainda não é foco da conversa quando vemos que o diagnóstico da endometriose leva, em média, de seis a sete anos para ser concluído. Essa demora é fruto de um problema complexo que passa pelas barreiras culturais, de acesso e de falta de informação. A consequência são milhares de mulheres lidando por anos com a dor, as perdas na qualidade de vida e os impactos emocionais, profissionais e sociais da endometriose.
A doença acomete cada paciente de forma específica, mas é importante que as mulheres estejam atentas a sintomas como cólica menstrual forte e progressiva, dor durante a relação sexual, dor ao evacuar ou urinar, além da presença de sangue nas fezes. Em caso de um ou mais sintomas, é fundamental conversar com um especialista médico e investigar a situação.
O tratamento, por sua vez, deve ser individualizado e multidisciplinar, integrando ginecologia, nutrição e psicologia, entre outras áreas, mas, acima de tudo, precisa ser acessível, humanizado e contínuo.
Além da cirurgia, atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) conta com diferentes frentes de tratamento para essas pacientes, que vão desde os contraceptivos orais combinados ao recém-incorporado DIU hormonal —destinado àquelas que têm contraindicação ou não aderem às terapias orais. Essas movimentações no setor público representam um avanço significativo e histórico no cuidado da saúde feminina no país, sobretudo para mulheres em situação de vulnerabilidade.
Ainda precisamos percorrer um longo caminho para garantir o acesso à informação, aos direitos e à saúde das mulheres —e, quanto a este último, só avançaremos quando olharmos para a dor da mulher com empatia e atenção, não tratando-a apenas como um detalhe. Esse processo não é só um dever médico, é um compromisso civil sobre qualidade de vida e dignidade para pessoas com endometriose.
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Fonte ==> Folha SP