Ser parte da gestão de qualquer negócio é viver a prova de que o tempo é relativo: o olhar se volta ao presente e ao futuro. No FA.VELA, fundado há onze anos, aprendemos que nosso trabalho é construir futuros mais justos —e isso é impossível sem incluir o envelhecimento e a longevidade na pauta da inclusão digital.
O Brasil vive uma transição demográfica acelerada, mas ainda despreparada para acolher sua população idosa. Em 2024, mais de 33 milhões de pessoas tinham 60 anos ou mais, número que deve dobrar até 2050, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Essa conquista esbarra em um paradoxo: vivemos mais, mas em um país onde renda, raça, gênero e território determinam não apenas como se envelhece, mas quem consegue envelhecer.
Quando voltamos nosso olhar para pessoas 60+ de grupos historicamente marginalizados, sabíamos que o envelhecimento no Brasil tem cor e gênero. A Secretaria Nacional de Políticas de Cuidado e Família aponta que há 113 mulheres para cada 100 homens idosos e, entre brasileiros com 90 anos ou mais, 151 pessoas brancas para cada 100 negras.
Entre idosos pretos e pardos, o analfabetismo chega a 23,3%, mais que o dobro entre brancos. Essas desigualdades são fruto da ausência histórica de políticas públicas, mas também um convite à ação: reduzir o abismo da exclusão por meio da inclusão digital.
Em um mundo conectado, saber usar tecnologia é condição de cidadania. Para a geração anterior à era digital, contudo, a internet ainda é barreira. Entre 2014 e 2024, o acesso de pessoas idosas à rede saltou de 44,8% para quase 70%, segundo a Pnad Contínua, e 87,9% delas navegam diariamente.
Mesmo assim, 60% enfrentam baixa conectividade ou dificuldade de uso, e 22% não veem necessidade de se conectar. Pessoas 60+ ainda são maioria entre os desconectados (52,1%).
Foi diante desse cenário que criamos, em 2022, o Perifa 60+, programa gratuito de letramento digital. A adesão superou expectativas e a taxa de evasão foi a menor da história do FA.VELA —prova de que nunca faltou interesse, e sim oportunidade.
Com duas edições bem-sucedidas, ampliamos o olhar para a inclusão socioprodutiva. Segundo pesquisa da CNDL ( Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) e SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito), de 2024, 91% dos brasileiros 60+ contribuem para o sustento da casa e 52% são os principais provedores.
Entre aposentados que seguem trabalhando, 71% o fazem para complementar renda, 56% para se sentir produtivos e 50% para manter a mente ativa.
Em 2025, lançamos o Laboratório de Ofícios e Saberes, uma jornada intergeracional que une mestres de saberes tradicionais e jovens especialistas técnicos.
Bordadeiras dialogam com designers, marceneiros com makers, cozinheiras com programadores, gerando pertencimento, inclusão produtiva e valorização cultural. Cada encontro se transforma em conteúdo audiovisual, ampliando o impacto para além das oficinas.
O futuro precisa incluir o passado. Envelhecer com dignidade exige enfrentar desigualdades, promover reparação interseccional e valorizar os saberes que sustentam gerações. Não basta viver mais, é preciso viver melhor: com tecnologia acessível, renda justa, cultura reconhecida e voz ativa.
Fonte ==> Folha SP