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Amor de amigo some? Riscos da amizade de baixa manutenção – 23/07/2025 – Amor Crônico

Se for romper o laço de amizade, que seja com gentileza; procure estabelecer uma conversa franca

Domingo passado, 20 de julho, foi Dia do Amigo e talvez você também tenha sido atravessada por uma chuva de posts nas redes sociais ou nos grupos de WhatsApp, com declarações emocionadas lembrando o quanto a amizade é “um ponto de encontro, cuidado, escuta e afeto”, e que “se você tem amigas, elas te ajudarão a resolver todo o resto”.

Essas foram algumas das mensagens carinhosas que recebi das minhas. E, ainda que eu ame boas frases de efeito e textões de amor, venho sentindo que manter esse afeto frequente no plano virtual —quase como forma de atualização do software relacional— é, no fundo, uma tentativa de compensar a falta de esforço em criar uma rotina mínima de presença. E isso tem nos deixado com um buraco não validado.

Talvez por isso tanta gente esteja se sentindo como o leitor que hoje me escreve: sem entender por que todo mundo que, na teoria, se ama e sabe o quanto estar perto faz diferença, na prática abre tão pouco espaço na vida. Será que é pessoal? Será que eu fiquei desinteressante ou disse algo que magoou? Nos momentos de insegurança, angústia ou insuficiência, logo respondemos que sim. Não, a culpa do afastamento não é sua. Ou talvez seja também sua. Pois provavelmente você também tem aberto pouco espaço para um outro amigo que tem precisado de carinho, atenção, manutenção… mas você parou de olhar pra isso…

Uma pesquisa de 2023 do PoderData revelou que 1 a cada 4 brasileiros diz ter no máximo um amigo próximo —sendo que 14% afirmam não ter nenhum. E o dado mais alarmante: essa sensação de isolamento vem crescendo. Em setembro de 2021, em pleno lockdown, apenas 9% relatavam ter no máximo um amigo. A pandemia parecia justificar os vazios e os afastamentos, mas agora eles persistem mesmo com o mundo reaberto e teoricamente reconectado.

Outra pesquisa, do Instituto Locomotiva, realizada em 2022, confirma o retrato de uma “recessão relacional”: um quarto dos brasileiros diz não se sentir próximo de ninguém. Não pela quantidade de gente à sua volta, mas pela baixa qualidade nos vínculos e pela insatisfação crescente com a forma como temos nos relacionado mesmo com os amigos que já foram os mais próximos.

Como diz a psicóloga americana Sherry Turkle, estamos “sozinhos, juntos” —título do livro em que ela descreve um tempo de intimidades artificiais e vínculos fragilizados, moldados por uma presença performática e pautada pela produtividade.

A sensação é a de que estamos todos ocupados demais colocando “a máscara de oxigênio primeiro em nós mesmos” para poder voltar a investir nessas relações que são deliciosas, mas não urgentes, e exatamente por não exigirem nem cobrarem acabam ficando pra depois. Um depois que nunca vem.

Segundo a American Psychological Association (2022), a maioria dos adultos entre 30 e 50 anos relata dificuldade em manter amizades próximas por falta de tempo. Mas será mesmo só sobre tempo? Ou estamos priorizando outros vínculos e outras formas de nos vincular?

Na infância e na adolescência, aprendemos a fazer amigos a partir da afinidade de gostos —as mesmas bandas, viagens, ídolos geravam nossa identidade comum em meio a uma rotina compartilhada favorecida pelo cotidiano da escola, dos encontros semanais no clube ou no térreo do prédio. A lógica da amizade, ali, se parecia com o ideal romântico de fusão: o êxtase de sermos “nós contra o mundo”. Mesmo que seus pais não te entendessem, você tinha os seus cisnes.

Mas o tempo passa, e cada cisne toma um rumo: um vira galinha d’Angola, outro patinho feio, outro borboleta. Mudam os gostos, as rotinas, os dilemas. O tempo que antes nos unia agora tem novos donos: trabalho, boletos, filhos, demandas domésticas, amores. E até a amizade passou a ser atravessada pela lógica da produtividade. Em tempos de comunidades de interesse —de grupos de corrida a clubes do livro e fóruns corporativos—, amizade também virou networking. E, como crianças grandes, voltamos a buscar espelhos do ideal de eu: queremos ser amigos dos engajados, dos descolados, dos “do nosso mundo”. E, nesse movimento, desprezamos os amigos que hoje são diferentes de nós.

Não que toda amizade precise durar a vida inteira. Mas será que não estamos descartando amigos como descartamos matches de aplicativo? Percebo que a manutenção afetiva daqueles que “não servem pra nada” —que não trazem status nem vantagens imediatas, mas trazem escuta, testemunha, colo e presença— anda perdendo espaço nas nossas prioridades. E isso tem nos adoecido.

Te convido a ressignificar a amizade: transformar a busca por afinidade de gostos em afinidade de verdades compartilhadas. E não precisa ser verdade igual. Não é sobre concordar, é sobre sustentar o vínculo mesmo na diferença. É criar espaço de escuta, amparo e presença mesmo pensando diferente. É olhar o outro como outro e acolhê-lo não “apesar” de quem ele é, mas “por” quem ele é.

Repensar a amizade é sair da lógica do igual para entrar na ética do vínculo. É reconhecer que posso não pensar como você e mesmo assim não abandono a presença, o cuidado, o afeto. Isso é afinidade de verdades, não porque são as mesmas, mas porque são acolhidas. Amizades com verdades compartilhadas não são feitas de certezas iguais, mas da escuta mútua que sustenta até o que não se entende. O que mais precisamos hoje são vínculos que não se sustentam na performance da afinidade, mas no acolhimento da diferença. Ao validarmos o espaço da diferença na amizade, abrimos caminho para reconhecer nosso lugar em outros amores — e parar de naturalizar o abuso, a posse, o silenciamento

Segundo o maior estudo de longevidade de Harvard, publicado em 2023, são essas relações em que podemos ser quem somos (imperfeitos, contraditórios e ainda assim acolhidos) que aumentam nossa qualidade e expectativa de vida. Um amigo que “não serve pra nada” serve pra tudo aquilo que realmente importa.

Que a gente volte a abrir espaço frequente, intencional e afetivo para esses vínculos. Com a mesma dedicação que temos com quem nos cobra, com quem nos serve. Só assim construiremos amores e vidas menos utilitárias, mais saudáveis, menos autorreferentes.

E, já que a gente está aqui: que tal ligar para um amigo e marcar um jantar? Ou ao menos uma conversa de verdade, não mais uma troca genérica perdida no digital?

E se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.



Fonte ==> Folha SP

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