A ofensiva internacional de Trump contra o STF deu novo fôlego ao bolsonarismo, que voltou a liderar o debate espontâneo nos grupos de WhatsApp.
No debate político que acontece nos 100 mil grupos de WhatsApp monitorados pela Palver, é possível distinguir dois movimentos muito diferentes: o das mensagens virais —aquelas que se espalham com o rótulo “encaminhada com frequência”— e o das conversas orgânicas, compostas por comentários, réplicas e trocas reais entre usuários. O primeiro mostra o que viraliza; o segundo, o que é debatido de fato.
Nas últimas semanas, o campo governista vinha em vantagem nas conversas orgânicas. Desde que vídeos de IA que começaram a ironizar as críticas à “taxação do BBB”, mensagens pró-governo passaram a dominar esse espaço numa relação de 60 a 40. A direita seguia controlando o volume de mensagens virais —como sempre fez—, mas perdia força no diálogo direto entre as pessoas. Nem mesmo a decisão de Donald Trump, no início do mês, de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros conseguiu inverter esse quadro. Embora celebradas em vídeos bolsonaristas, essas ações não foram suficientes para reacender o engajamento da base no campo orgânico.
Mas o cenário mudou a partir do dia 18 de julho. Foi quando o governo Donald Trump anunciou sanções contra ministros do STF e revogou seus vistos de entrada nos Estados Unidos, em resposta ao que chamou de violações de direitos civis. A medida foi rapidamente incorporada à narrativa bolsonarista como uma chancela internacional à tese da “ditadura da toga”. A partir daí, a base de apoio a Bolsonaro voltou a se mobilizar com mais força. E pela primeira vez desde o início do mês a direita voltou a liderar também o debate orgânico.
Dados coletados nos dias 18 e 19 mostram que 75,7% das mensagens virais atacam o STF, especialmente Alexandre de Moraes. Nas conversas espontâneas entre usuários, 53% também passaram a criticar o Supremo. O que parece ter acontecido é que as sanções impostas aos ministros do STF reacenderam a narrativa da “perseguição política”, agora reforçada por acusações de autoritarismo, censura e isolamento internacional. O Congresso é chamado de covarde. Generais do exército brasileiro são acusados de traição. E, mais uma vez, surgem pedidos de “solução cívico-militar” e fechamento de instituições. A estética da revolta retornou com muita indignação, apelos à violência e ameaças veladas. Os movimentos de Trump contra os ministros do Supremo deram uma motivação adicional aos bolsonaristas. “Trump fez o que os brasileiros não tiveram coragem de fazer”, dizem algumas mensagens.
Ainda assim, houve reação do outro lado. A base “pró-STF” se manteve ativa, embora em menor volume. Vídeos de deboche, memes comemorando a “canetada” de Moraes e até cortejos satíricos com tornozeleiras circularam entre os grupos. Frases como “trabalha de domingo a domingo” e “tá ficando gostosinho” transformaram a punição em espetáculo, apesar de não existir uma estratégia coordenada e que consiga direcionar a narrativa.
Nesse contexto, a tornozeleira se tornou um episódio concreto, visual e facilmente compartilhável. Pelo fato de que a punição recaiu sobre os “inimigos” e não sobre o país, o bolsonarismo reencontrou o combustível emocional que precisava para se engajar nos grupos. Ao mesmo tempo, a esquerda tem imagens e vídeos para tentar associar a imagem de Bolsonaro à tentativa de golpe e atentado à democracia.
Os dados coletados pela Palver mostram que o governo, que vinha embalado, desacelerou. E o campo digital, que parecia mais equilibrado, voltou a inclinar à direita, que vem conseguindo criar um clima de expectativa com possíveis novas sanções contra Alexandre de Moraes e os demais ministros do STF. O debate segue aberto nas redes sociais.
Fonte ==> Folha SP