São Paulo
Conhecida pelos papéis densos e cenas trágicas, Charlotte Gainsbourg, 53, poderá ser vista em um registro bastante diferente na série “Étoile: A Dança das Estrelas”. A série, que retrata os bastidores das grandes companhias de balé, estreia na quinta-feira (24) no Prime Video.
“Eu quero me divertir. Amo filmes sérios e dramas, com certeza. Mas é maravilhoso poder ser leve”, diz a atriz francesa, que dá vida à atrapalhada Geneviève Lavigne, diretora do Balé da Ópera Nacional de Paris.
Quando recebeu o convite, Gainsbourg até pensou que a personagem pudesse ter um passado com a dança, mas os criadores Amy Sherman-Palladino e Daniel Palladino lhe explicaram que não. Foi a deixa para explorar o jeito desengonçado que adotou em cena. Em muitos momentos, ela se joga na comédia física.
A atriz minimiza o ponto fora da curva em seu trabalho. “Ela foi escrita dessa maneira”, afirma. “Eu amo o jeito que eles escrevem. Nunca fiz uma comédia em inglês antes. Então, adoro a forma como usam as palavras e a falta de jeito, isso realmente fazia parte da escrita deles.”
Para ela, a principal diferença foi o tempo de filmagem —nove meses, em vez dos dois ou três meses necessários para concluir um longa— e o fato de não ter toda a trama fechada antes de começar a rodar. “Nunca entrei em uma história onde você não sabe o que vai acontecer com seu personagem”, afirma.
“Sempre lembro de um episódio de ‘Friends’ em que o personagem morre no poço do elevador”, conta, aos risos, referindo-se ao episódio em que Joey (Matt LeBlanc) é demitido da novela em que trabalhava. “Então, ficava me perguntando: ‘Será que vou ficar até o fim?’. Você se sente em perigo, mas, ao mesmo tempo, há essa excitação de saber o que vai acontecer no próximo episódio.”
Na trama, Geneviève propõe um intercâmbio de talentos entre sua instituição e o Metropolitan Ballet de Nova York, liderado pelo colega Jack McMillan. O personagem é vivido por Luke Kirby, que ganhou um Emmy por sua participação em “Maravilhosa Sra. Maisel”, dos mesmos criadores.
“Jack e Genevieve se conhecem há muito tempo e acho justo dizer que é um relacionamento complicado”, adiante o ator. “Eles compartilham um afeto por essa arte que acho que está profundamente enraizado, mas ambos estão em conflito com a dinâmica da arte e do comércio.”
O ator diz que não tinha uma relação forte com o balé antes de se envolver com a série, mas que conhecia alguma coisa por acompanhar sua prima, que foi bailarina. “Cresci muito consciente do mundo em que ela estava entrando e compartilhávamos uma espécie de simpatia, porque eu tinha meu próprio afeto pela arte performática”, compara. “Eu a vi passar por todo aquele treinamento e acompanhei as exigências sobre o corpo, a dedicação e a competição.”
PLIÉ, CHASSÉ, JETÉ
Parte desse esforço e dessas relações são mostrados na série, que é a segunda incursão de Amy Sherman-Palladino pelo universo do balé. Em 2012, ela já havia mostrado um pouco dessa arte na despretensiosa “Bunheads”, que acabou cancelada após apenas uma temporada.
E por que essa fixação pelo tema? “Bem, eu deveria ser uma bailarina. Minha mãe está horrorizada com o terrível rumo que minha carreira tomou”, conta a roteirista. “Treinei muitos, muitos anos em sapatilhas de ponta até conseguir meu primeiro trabalho de roteirista. Então, sempre senti que é um mundo que amo.”
Ela avalia que se trata de um universo cheio de figuras interessantes para construir uma história. “Bailarinos são pessoas muito estranhas, de um jeito ótimo”, comenta. “O mundo deles inteiro está dentro daquelas quatro paredes. Eles estão constantemente de meia-calça, rolando por cima das pessoas, e as pessoas estão te agarrando na virilha o tempo todo. Você simplesmente tem que aceitar (risos).”
Daniel, que é marido dela, conta que a ideia surgiu após o casal assistir a documentários sobre dança do cineasta Frederick Wiseman. “É um mundo muito implacável e a maioria das pessoas não sabe disso”, afirma. “Elas acham que é algo leve e fofo, mas é como os bastidores de uma NFL, um mundo difícil com margens pequenas. É implacável. Você tem que cortar bailarinos. Você tem que esmagar sonhos. Então, queríamos mostrar isso também.”
Para o trabalho, eles decidiram se cercar de profissionais da dança. Isso porque perceberam que muitos bailarinos não gostavam da forma que se viam retratados em outras produções. “E não é porque não são bem escritos, é porque estão meio que contando a mesma história do que eles sentem ser uma representação irreal das coisas”, afirma.
Ele cita temas como bulimia e suicídio como recorrentes em algumas ficções sobre o tema, algo que pode parecer clichê para muitos artistas. “Há todo tipo de emoções, eles são seres humanos, passam por todo tipo de coisas. Mas há muitos programas que se inclinaram para os poucos problemas que eles têm, e não estavam mostrando o todo, como o fato de que eles são atletas de elite na verdade.”
Vários bailarinos de verdade aparecem na tela, e o casal de criadores afirma que não houve grandes dificuldades para que eles fizessem a transição entre as duas artes. “Dança é atuação. Dança é uma história sem palavras”, avalia Amy. ” São como filmes mudos. Eles têm que transmitir emoções e emoções sutis. Mesmo que estejam fazendo muito disso para que você possa ver da última fileira.”
Fonte ==> Folha SP