A política esteve presente na Marcha para Jesus na quinta-feira passada (19). Em nota, Lula descreveu seus organizadores como “verdadeiros pastores do seu povo”. E o governador —talvez presidenciável — Tarcísio de Freitas foi tietado e desfilou com uma bandeira de Israel. Mas cresce, entre evangélicos, o sentimento de que a relação entre política e púlpito se tornou tóxica.
Após a divulgação dos dados sobre religião do Censo de 2022, pastores como Silas Malafaia expressaram desconfiança: “Onde a esquerda mete a mão, tenho dúvida”. Mas uma liderança conhecida, o pastor Aluízio Silva, da Igreja Videira, atribuiu a queda no crescimento evangélico ao envolvimento de líderes religiosos com a política.
No culto realizado após o anúncio dos dados do Censo, Aluízio lembrou que, se os evangélicos continuassem crescendo no ritmo registrado na contagem anterior, ultrapassariam os católicos em 2032. E cravou o motivo da desaceleração em uma só palavra: bolsonarismo.
“Quando os pastores no púlpito resolveram assumir politicamente algo, eles fecharam a porta da igreja para um montão de gente”, disse. E alertou: “Isso é distração do Maligno. Nós estamos aqui para trabalhar pela expansão do Reino de Deus”.
Devemos celebrar que uma liderança evangélica conservadora, à frente de uma igreja conhecida, esteja criticando o uso político da fé? Antes de responder, vale examinar como e por que esse vídeo viralizou.
A fala vem do ex-pastor de Pablo Marçal, que o recebeu no aniversário de 25 anos de sua igreja —realizado no estádio Serra Dourada, com transmissão pela TV aberta, pela Rede Globo de Goiânia. O evento ocorreu na véspera do primeiro turno das eleições municipais, e Marçal foi acolhido como o filho pródigo que, como na parábola bíblica, retorna à sua casa.
Marçal apresentou-se para o eleitor paulistano como herdeiro legítimo do bolsonarismo. Denunciou os arranjos políticos que levaram Bolsonaro a apoiar um candidato “do sistema” e, por isso, bateu boca publicamente com Silas Malafaia, que tenta se manter relevante como interlocutor entre evangélicos e o ex-presidente.
A fala do pastor Aluízio, atacando o bolsonarismo, se alinha ao posicionamento de Marçal como representante do discurso antiestablishment? Durante a campanha de 2024, Marçal denunciou pastores por supostamente receberem favores do prefeito Ricardo Nunes em troca de apoio.
Há outros dados a considerar. A declaração do pastor Aluízio sobre o Censo foi publicada e depois apagada pelo site O Fuxico Gospel, um canal popular de notícias e fofocas. O vídeo viralizou a partir do post de Andrade, um influenciador cristão e de esquerda, cujo perfil no X é @AndradeRNegro2. O site Brasil 247, próximo ao PT, repercutiu a fala.
Guilherme Boulos não mudou os rumos do segundo turno ao aceitar ser entrevistado pelo candidato derrotado Pablo Marçal para os milhões de seguidores online dele. Mas eu recebi o vídeo com a fala do pastor Aluízio de interlocutores de direita e o fato de ele estar circulando expõe um sentimento crescente, no segmento evangélico, de que pastores ricos querem enriquecer a qualquer custo —e que a política se tornou um meio para isso.
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Fonte ==> Folha SP