O mais recente embate entre Lula e Trump tem algo de o roto falando do esfarrapado. O presidente brasileiro queixou-se, com razão, da defesa que o americano fez de Jair Bolsonaro –uma interferência indevida em assuntos políticos e judiciais de nação amiga. O problema é que o petista é contumaz em também meter-se em questões internas de outros países.
Na semana passada, ele visitou a ex-presidente argentina Cristina Kirchner, que cumpre pena de prisão domiciliar por corrupção, e pediu sua libertação, ignorando que foi uma decisão “soberana” da Justiça platina que a colocou em cana.
Um pouco antes, em desafio à Justiça peruana, concedeu asilo a uma ex-primeira-dama que fora condenada por corrupção. Lula também é useiro e vezeiro em apoiar candidatos em eleições mundo afora. Manifestou sua preferência por Harris contra Trump.
Chefes de Estado deveriam, como regra geral, evitar esse tipo de atitude. Eles podem, obviamente, ter suas preferências, que são, aliás, muito fáceis de intuir, mas não deveriam explicitá-las, pela simples razão de que, na condição de representantes máximos de suas nações, deveriam fugir de potenciais embaraços diplomáticos. Seu compromisso maior é com os interesses nacionais, não com suas agendas políticas partidárias ou pessoais.
Ater-se a essa regra, contudo, só resolveria parte dos problemas. Se a meta é criar uma comunidade de nações, surgirão situações em que líderes democráticos precisarão denunciar abusos cometidos por governos autoritários, seja fraudando eleições, como vimos na Venezuela, seja instrumentalizando o Judiciário. Pense na condenação do russo Alexei Navalny, para dar um único exemplo.
Como diferenciar esses casos? Não vejo aqui como avançar além de uma regra heurística que jamais será perfeita. Quando se trata de ato de nação amiga razoavelmente democrática, presidentes devem exercer máxima contenção. No caso de regimes autocráticos ou ditatoriais, faz sentido ver condenações judiciais e processos eleitorais como suspeitos.
Fonte ==> Folha SP