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O que explica o incômodo dos EUA com o avanço do Pix

O que explica o incômodo dos EUA com o avanço do Pix

Especialistas não veem motivos consistentes para o governo dos Estados Unidos, sob a gestão de Donald Trump, ter colocado o Pix, sistema de pagamentos instantâneos desenvolvido pelo Banco Central do Brasil, numa investigação sob alegação de práticas comerciais desleais. A investigação foi iniciada pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR), com base na Lei de Comércio dos Estados Unidos — a mesma norma usada por Trump, em 2018, para impor tarifas à China.

A ferramenta não é citada nominalmente no documento sobre o processo, que faz referência apenas a serviços de transações oferecidos pelo Estado brasileiro. Mas o Pix é o único sistema de pagamentos instantâneos da modalidade. A lista de preocupações dos EUA inclui ainda temas como pirataria, desmatamento ilegal, transferências de dados, benefícios comerciais a países como México e Índia, e falhas na governança e combate à corrupção.

A medida, oficializada uma semana após o anúncio de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, com vigência a partir de 1º de agosto, gerou surpresa entre economistas e autoridades do setor financeiro.

Uma das justificativas levantadas para a decisão americana foi a de que o instrumento estatal poderia ferir a concorrência com empresas dos EUA, como Visa, Mastercard, Apple Pay e Google Pay.

Ralf Germer, CEO da PagBrasil, não vê fundamento na argumentação. “O sistema brasileiro é local, funciona apenas com pagamentos em reais, e foi desenvolvido para atender às necessidades da população brasileira, oferecendo uma tecnologia mais avançada do que a de outros sistemas e criando concorrência positiva no mercado”, diz. “Eu não vejo que o Pix foi criado para competir diretamente com os Estados Unidos, e não há comprovação disso.”

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Big Techs e sigilo de dados também são mencionados

Os questionamentos dos EUA sobre pagamentos eletrônicos se inserem em uma discussão mais ampla que envolve big techs americanas como Google e Meta (WhatsApp). Essas empresas operam seus próprios sistemas de pagamento e podem ver o Pix como um concorrente.

Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora, afirma que o argumento não faz sentido. “A hipótese de que o Pix represente uma ameaça direta a plataformas americanas, como PayPal, Facebook Pay ou WhatsApp Pay, não se sustenta”, diz.

“Na prática, não é bem assim. O Pix é um produto que entra em toda a cadeia de pagamentos — ele funciona como a última etapa da cadeia de pagamentos, tanto na origem quanto na finalização da transação. Eu vejo essas ferramentas como muito mais complementares do que substitutas. Uma não elimina a outra efetivamente.”

Para Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM e especialista em Direito Digital, as críticas são infundadas e revelam uma motivação mais política do que jurídica. “Rotular a LGPD como uma “barreira desleal” ignora que ela se aplica de forma igualitária a todas as empresas, nacionais ou estrangeiras”, afirma Crespo.

“Trata-se de um instrumento legítimo de proteção de direitos fundamentais e de soberania digital, alinhado às melhores práticas internacionais. Claramente o principal motivo da investigação não é de fato o Pix ou a LGPD, que está longe de representar um empecilho para que empresas norte-americanas façam negócios aqui no Brasil.”

Ele também alerta para os riscos de o Brasil ceder a pressões externas em temas sensíveis como a proteção de dados. “É preciso manter uma posição firme. A privacidade dos cidadãos não pode ser tratada como moeda de troca em disputas comerciais.”

Foco de Trump pode ser o Brics

A possibilidade de o Pix internacional ser usado como meio de pagamento entre países do Brics (Brasil, Rússia, China, Índia, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Egito, Arábia Saudita, Etiópia, Indonésia e Irã) pode incomodar os EUA.

Analistas sugerem que isso ameaçaria a hegemonia do dólar nas negociações internacionais e concorreria diretamente com o sistema SWIFT, uma rede global de transferências financeiras, e poderia ser instrumento de sanções internacionais, especialmente dos EUA. Trump já manifestou oposição à criação de uma nova moeda ou meios de pagamento que substituam o dólar e ameaçou impor tarifas aos membros do Brics.

Para Crespo, o cenário internacional pode ter pesado mais nas decisões de investigação do presidente dos EUA. “A preocupação dele [de Trump] não é só com o Brasil”, diz. “Eu acredito que essa preocupação vem muito mais das notas conjuntas divulgadas durante o encontro do Brics do que de algo específico sobre o país. Como o Brasil está alinhado com Rússia e China, que são grandes potências dentro do grupo, e assinaram comunicados em conjunto, acho que isso incomoda mais do que o Brasil, isoladamente, com seu Pix ou com a sua LGPD.”

Pix é vitrine de sucesso para Brasil

Também há especulações sobre a ameaça representada pelo sucesso do Pix e seu papel como vitrine para o Brasil. Visto como um modelo de inovação estatal eficiente – gratuito para pessoas físicas e com baixo custo para empresas – que pode ser replicado por outros países, poderia representar uma possível ameaça ao domínio de empresas americanas no mercado global de meios de pagamento.

No cenário internacional, os EUA têm um histórico de contestar políticas que favorecem infraestruturas domésticas em países emergentes, como nos casos da Indonésia, Índia e China (com a UnionPay). Essas infraestruturas públicas de baixo custo são adotadas para inclusão social e financeira, e para reduzir a dependência de redes atreladas ao dólar, gerando um atrito geopolítico.

“O que sabemos é que, na Indonésia, os Estados Unidos demonstraram uma preocupação específica com a concorrência que um sistema de pagamentos instantâneos local representava para os cartões de crédito”, afirma Germer.

“Por isso, só podemos especular se algo semelhante está ocorrendo com o Pix. Talvez haja incômodo com a concorrência que ele representa para os sistemas de pagamento americanos – especialmente os cartões de crédito e débito, com destaque para bandeiras como Visa e Mastercard.”

Mas ressalta: “Até agora, não temos 100% de clareza sobre isso. Não sabemos exatamente por que os Estados Unidos — ou o governo Trump — estão preocupados com o Pix, porque eles ainda não se pronunciaram em detalhes sobre essa preocupação.”

Para Velloni, da Forte Corretora, não existe uma resposta consistente. “O grande ponto é tentar entender o que passa pela cabeça do governo americano – quais são as dúvidas concretas que eles têm -, para que se possa chegar a uma conclusão mais fundamentada. Hoje, tudo é muito vago.”

Sistema como o Pix tendem a proliferar

O CEO da PagBrasil lembra que o Brasil não está sozinho no desenvolvimento de sistemas de pagamentos instantâneos como o Pix. Em diversas partes do mundo, soluções semelhantes vêm sendo adotadas por governos e instituições privadas, acompanhando uma tendência global de modernização e inclusão financeira.

Na América Latina, por exemplo, países como Uruguai e Argentina já contam com sistemas próprios de transferência rápida de valores. A Colômbia lançou recentemente o sistema Brevé, enquanto o Peru ainda não implementou uma solução nacional. “Em geral, esses sistemas podem ser criados tanto por bancos centrais quanto por empresas privadas”, explica.

Na Ásia, um dos principais exemplos é o UPI (Unified Payments Interface), criado em 2016 na Índia. O sistema é muito semelhante ao Pix e tem amplo alcance no país. A China também possui alternativas semelhantes, como o sistema Alipay e o WeChat Pay, reforçando a presença desses sistemas em grandes economias asiáticas.

Na Europa, vários países operam seus próprios sistemas de pagamentos instantâneos, que nos últimos anos passaram a ser interconectados, ampliando a integração entre bancos e sistemas nacionais. A digitalização dos meios de pagamento é vista como um passo importante para facilitar o comércio e aumentar a eficiência financeira.

Finalmente, nos Estados Unidos, há pelo menos dois sistemas relevantes: o Zelle, desenvolvido por um consórcio de grandes bancos e usado por cerca de 100 milhões de pessoas; e o FedNow, lançado pelo Federal Reserve, que é uma entidade de natureza híbrida — pública e privada.

Ambos permitem transferências gratuitas e imediatas entre usuários, embora, diferentemente do Brasil, os bancos americanos tenham liberdade para cobrar pelo serviço.

No entanto, esses sistemas não alcançaram o mesmo grau de penetração e popularidade que o Pix no Brasil. A adesão ao FedNow, por exemplo, foi opcional, e nenhum dos grandes bancos americanos aderiu até o momento.

O CEO da PagBrasil não acredita, no entanto, que a iniciativa americana tenha qualquer impacto no país nem impeça a evolução dos meios de pagamento. “Acredito — e estou convencido — de que isso não terá qualquer impacto no desenvolvimento do Pix”, afirmou.

Para ele, a tentativa dos Estados Unidos de questionar o modelo brasileiro não deve interferir em um movimento que já é global. “A economia precisa ser dinamizada com sistemas de pagamento eficientes — tanto em tecnologia quanto em custo.”

O executivo reforça que o Pix é uma inovação bem-sucedida, apoiada pela população e por toda a cadeia econômica. Ele vê o avanço dos pagamentos instantâneos como uma realidade irreversível, impulsionada pela digitalização e pela necessidade de soluções rápidas e baratas. “Essa tendência vai continuar, independentemente de como essa iniciativa dos EUA evoluirá”, conclui.



Fonte ==> UOL

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