Desde domingo (20), o Brasil entrou num estado de luto generalizado com a morte de Preta Gil. Uma tristeza que não se via desde a morte de Paulo Gustavo em 2021. Parte da realeza preta do Brasil, filha de um de nossos maiores poetas, Preta tinha o dom indiscutível de ser querida por todos. Ela não conquistou esse legado apenas com alegria. Foram muitas as batalhas corajosas que enfrentou antes do câncer: a gordofobia, o racismo, a homofobia, o conservadorismo.
Que ninguém se engane: a foto nua na capa de seu primeiro álbum, “Prêt-À-Porter”, em 2003, foi duramente criticada por racismo e gordofobia –e olha que estamos falando de uma época em que as redes sociais não eram a teia maligna de comentários pesados que são hoje.
O Fantástico resgatou uma imagem que eu não lembrava e que me comoveu profundamente. Lá estava Preta em Brasília, em 2013, quando o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo estava sendo discutido por uma comissão na Câmara dos Deputados. Assumiu-se bissexual, colocou a sua figura na linha de frente da batalha, que depois foi vencida e hoje se vê ameaçada mais uma vez pela nuvem sinistra do conservadorismo.
Até o fim, mesmo debilitada, Preta encontrava suas pequenas grandes causas para lutar. Ao ver a sua foto feliz, de biquíni na piscina, com a bolsa de colostomia que a acompanhou nos últimos tempos, quem a conhecia já sabia: lá estava ela para quebrar mais um preconceito. Por que os ostomizados precisam se esconder, ter vergonha da sua situação? É preciso coragem, e Preta sempre teve.
No Brasil, a luz radiante de uma pessoa também se mede pelo seu poder no Carnaval. Os números falam por si: em 2018, o Bloco da Preta reuniu o público recorde do Carnaval carioca daquele ano, 760 mil foliões no centro do Rio de Janeiro. Não é para qualquer um.
Em abril, nossa Família Real ainda deu uma imagem comovente para ficar na memória: Preta cantando “Drão” ao lado do pai em sua turnê de despedida. O próprio Gil sabia: enquanto ele se despedia dos palcos, ela se despedia aos pouquinhos da vida. Fizeram questão de dividir isso com o público.
Uma partida tão precoce, aos 50 anos, sempre suscita a reflexão de como partir: lutando até o fim ou entregando-se à morte certa? Dizem que Gil sugeriu à filha aceitar o destino certo com serenidade, sem voltar aos Estados Unidos para tentar terapias alternativas.
Mas Preta preferiu fazer o que sempre fez: lutar até o fim. Foi um final coerente com uma trajetória de força e coragem. Que o Carnaval de 2026 seja o palco de todas as homenagens possíveis a essa mulher preta, brasileira e lutadora que deu muito orgulho aos seus.
Fonte ==> Folha SP