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Recuperação judicial de cafeterias mostra erros e acertos do setor

O setor de alimentação fora de casa ou “food service” foi um dos mais machucados durante a pandemia. Alguns estabelecimentos ficaram totalmente paralisados nesse período, como é o caso das cafeterias. Elas não tiveram a mesma capacidade de se adaptar à dinâmica do delivery, como as redes de fast food, até pela natureza do produto que comercializam. E a volta à normalidade trouxe uma situação díspar entre os players desse segmento: enquanto alguns estão mal das pernas, outros expandem os negócios. O que explica essa diferença? 

Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, consultoria do setor de varejo, define a cafeteria como um local de passagem. “É um ponto de parada ou de encontro para pessoas que estão em movimento, geralmente na rua ou em um shopping center”, afirma. Ele explica que o confinamento afetou o segmento de forma generalizada, mas a forma como essas empresas entraram e saíram do período pandêmico está definindo vencedores e perdedores nos dias de hoje. 

“Depende da estrutura de capital que elas tinham quando entraram na pandemia e do quanto estavam alavancadas na saída”, diz Serrentino. O especialista lembra que houve “muita liquidez e dinheiro barato” durante o período pandêmico, com juros muito baixos e até alguns subsídios. Mas a “empinada” das taxas afetou o varejo inteiro e, ainda que tenham implementado políticas de austeridade, algumas empresas não estão conseguindo suportar o impacto das despesas financeiras em seu fluxo de caixa operacional. 

“A saída é reestruturar a dívida, com um alongamento, uma renegociação e, no extremo, uma recuperação judicial”, afirma o consultor. Na última semana, a Casa do Pão de Queijo entrou na lista das empresas que chegaram ao extremo. O Tribunal de Justiça de São Paulo avalia o pedido de RJ feito pela empresa e pediu uma perícia para confirmar a situação descrita pelos advogados da rede de cafeterias.

Casa do Pão de Queijo: pedido de RJ com dívida de R$ 57,5 milhões 

A dívida sujeita à recuperação judicial da Casa do Pão de Queijo é de R$ 57,5 milhões. No pedido à Justiça, a empresa diz ter perdido 97% de seu faturamento nos três primeiros meses da pandemia e 50% no ano de 2020 como um todo. Também explica que, mesmo com perda de receita, seguiu pagando valores elevados de aluguel, sobretudo nos aeroportos onde tem lojas. Relatou ainda “sérias dificuldades” para conseguir linhas de crédito junto aos bancos. 

Fontes do mercado, afirmam que um modelo de negócios defasado contribuiu para que a rede de cafeterias chegasse a essa situação. “Por melhor que seja o pão de queijo, por mais gostoso que seja o café, o modelo de negócio da empresa não se adaptou e envelheceu perante o olhar do consumidor final”, afirma um especialista em varejo que tem proximidade com a empresa. 

Momentos parecidos, situações diferentes

O episódio com a Casa do Pão de Queijo ocorre menos de um ano após a crise da SouthRock, operadora da marca Starbucks no Brasil, que também pediu recuperação judicial em outubro de 2023, com dívidas de R$ 1,8 bilhão. No mês passado, a Zamp, Dona do Burger King no Brasil, informou ter avançado nas negociações para assumir a operação da rede de cafeterias no país.

“Sob nova gestão, provavelmente o Starbucks voltará a ser um negócio viável e sustentável”, aposta Serrentino. O consultor avalia que a rede de cafeterias cresceu com qualidade no Brasil e tem um bom parque de lojas. “Não dá para saber o quanto a Starbucks contribuiu [com a RJ da SouthRock] ou o quanto isso também veio de um problema de estrutura de capital do grupo, que ficou muito pressionada com a subida de juros”.

Starbucks: para especialistas, modelo de negócio segue sustentável

Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores, avalia que o modelo de negócio do Starbucks continua sendo um sucesso no Brasil. “O que aconteceu teve muito mais a ver com as outras operações da SouthRock, com a parte de gestão e o formato de expansão, do que com o modelo de negócio da cafeteria em si”, afirma. A rede, segundo ela, continua cumprindo bem o papel de third place – o terceiro lugar onde o cliente vai se sentir confortável e seguro depois da própria casa e de seu ambiente de trabalho. 

“O olhar do consumidor sobre as cafeteiras é moderno e está muito focado em uma experiência de consumo do que no café em si”, afirma Ana Paula. Segundo ela, modelos de negócio que não levarem isso em consideração, vão perder aderência ao consumidor final.

Menos café, mais lifestyle

É o foco na experiência do consumidor que tem garantido o sucesso da We Coffee desde que a rede começou a operar no Brasil em 2020. A primeira das oito lojas da rede, no bairro da Liberdade, ficou conhecida por filas quilométricas e virou até atração turística da capital paulista depois de viralizar nas redes sociais. A combinação de lojas de estética clean e futurista, com doces, lanches e bebidas instagramáveis acabou ganhando mais importância do que o café em si. 

“Hoje, acho que estamos muito mais ‘linkados’ a uma marca de ‘lifestyle’ e inovação do que uma marca de ‘food’, propriamente”, afirma Neire Siqueira, diretora de expansão e novas parcerias do We Coffee. “As pessoas não vão às nossas lojas somente para tomar um café ou comer algum produto. Vão para ter uma experiência completa de inovação, de algo que é diferente.”

Apesar de não se considerar uma cafeteria tradicional, a We Coffee não disputa apenas a preferência da clientela do segmento com lojas de rua e nos shopping centers. A rede também se prepara para abrir sua primeira operação em um aeroporto. Das três inaugurações previstas para este ano, uma delas é a unidade do Aeroporto Internacional de Guarulhos, prevista para setembro. 

We Coffee se prepara para abrir loja no Aeroporto de Guarulhos 

O movimento faz parte da estratégia de atingir novos públicos, além da geração Z que ajudou a popularizar a rede. “Quando a gente fala do aeroporto de Guarulhos, estamos falando de pessoas que vêm do mundo todo, vão passar pela nossa loja e nos enxergar como uma referência de marca”, diz Neire. 

Operando somente em cidades de São Paulo, a We Coffee faturou em torno de R$ 50 milhões no ano passado e espera chegar a R$ 70 milhões este ano. Para 2025, o plano é expandir para fora do Estado, com uma primeira unidade no Rio de Janeiro. Todas as lojas são próprias e a possibilidade de franquias, por hora, não está no radar. 

“Se fossemos falar de franquias, calculo que a gente já teria entre 200 e 300 lojas hoje. Mas somos muito preocupados com o posicionamento da marca e nesse primeiro momento, queremos crescer com a nossa identidade. Não somos contra franquias, mas neste momento, queremos crescer com lojas próprias”, conclui a executiva. 

O tradicional que dá certo

A veterana Rei do Mate, que trabalha apenas com franquias, também foi duramente impactada pela pandemia. A empresa chegou a ficar com 95% de sua rede paralisada e a fechar 40 lojas entre 2020 e 2021. Porém, acostumada a fazer do limão uma limonada em seu negócio diário, implementou estratégias de sobrevivência enquanto repaginava o negócio, como assumir, temporariamente, a dívida dos franqueados com os fornecedores utilizando recursos próprios. 

“Somos uma empresa familiar e nosso crescimento sempre foi muito focado na operação, com zero de alavancagem”, explica João Baptista, diretor de franquias e expansão do Rei do Mate. “Tínhamos caixa, pois sempre fomos mais conservadores e nosso crescimento foi muito pé no chão”.

A empresa não só conseguiu preservar franqueados e fornecedores como repaginou o conceito de suas lojas durante a pandemia. “O consumidor estava migrando para novos canais digitais, com mais escolhas, e nós precisávamos de um projeto que fizesse com as pessoas ficassem mais tempo na loja”, afirma Baptista. E foi assim que o Rei do Mate trouxe um layout com mais áreas de mesa e lounges em suas unidades.

Unidade da loja do Rei do Mate no shopping Center 3, na avenida Paulista, em São Paulo 

“Estávamos prontos para acolher o consumidor que estava ávido por uma experiência social e isso nos permitiu crescer”, complementa o diretor. Segundo ele, o Rei do Mate tem hoje mais clientes circulando em suas franquias do que em 2019, antes da pandemia, com praticamente a mesma base de lojas – hoje são 304 unidades em operação. O consumo de itens aumentou e o tíquete médio (hoje em R$ 28) também. “A pessoa consome mais quando passa mais tempo na loja”.

Para Baptista, que também é coordenador da comissão de foode service da ABF (Associação Brasileira de Franchising) afirma que o setor de cafeterias não está com problemas. “O que existe são questões pontuais geradas por escolhas empresariais de modelo de crescimento”, conclui o executivo.

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