Quem acompanhou as declarações de Eduardo Bolsonaro nas últimas semanas pode até pensar o contrário. Expressões como “Deus abençoe os Estados Unidos da América”, depois de ele ter influenciado a taxação de Trump e conspirado contra o próprio país, deixaram confusa a cabeça de muitos patriotas. Afinal, os Bolsonaros realmente queriam o “Brasil acima de tudo”? Ou será que seus ideais sempre estiveram voltados em colocar “sua família acima de todos”?
Os governadores Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e Romeu Zema, de Minas Gerais, embarcaram na onda. Pegou mal, muito mal. E logo tentaram voltar atrás, com os rabinhos entre as pernas. Apesar desse vira-latismo, parece que falar mal do Brasil está saindo de moda. Esse é justamente o tema de uma ótima reportagem da DW Brasil publicada no YouTube, que discute como parte de nossa atrasada elite econômica e política cultivou, ao longo de décadas, um certo desprezo pelo próprio país, enquanto exaltava tudo que vinha de fora.
Esse comportamento está enraizado em uma visão autodepreciativa, marcada por frases como “isso aqui não é para amadores” ou “o Brasil não é um país sério”. Essas expressões, repetidas à exaustão, ajudam a reforçar a ideia de que o fracasso é inevitável e que, portanto, devemos aceitar sem questionar as soluções importadas ou o comando externo.
No entanto, esse discurso parece perder força. Uma nova geração tem se recusado a aceitar esse complexo de inferioridade. Aos poucos, ganha espaço a percepção de que o Brasil tem, sim, muito a oferecer e que defender o país não significa fechar os olhos para seus problemas.
A crítica automática, aquela que confunde análise com autodepreciação, já não encontra tanta adesão. O velho complexo de vira-lata, termo cunhado por Nelson Rodrigues depois da derrota do Brasil para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950, começa a dar lugar a uma reavaliação mais generosa do país e de seu povo.
A análise que se impõe agora é à lógica que criou o próprio complexo de vira-lata: a ideia de que o miscigenado é inferior ao puro, de que o improviso é atraso e de que deveríamos, idealmente, nos parecermos com uma cópia bem-comportada dos Estados Unidos e da Europa.
Essa lógica tem raízes coloniais e foi construída por uma elite que, para se manter no topo, precisou convencer o restante da população de que era inferior. Como bem lembra Gilberto Maringoni, na época da escravidão, não bastava o chicote. Era preciso que o escravizado acreditasse que não valia nada. Essa humilhação estruturada ao longo dos séculos virou uma identidade nacional deformada.
Ainda assim, em meio a tantas feridas, há traços de uma cultura que resistiu. Eduardo Giannetti chama a atenção para características marcantes da nossa forma de viver, guiada pelo afeto, pelo riso partilhado e pelos laços que se criam sem contrato. Uma cultura que valoriza o encontro, a festa, o improviso e a arte de celebrar a vida mesmo em meio às adversidades. Essa capacidade tão brasileira de estar presente no agora, de construir vínculos, de criar sentido mesmo no caos, talvez seja uma das nossas maiores riquezas.
O texto é uma homenagem à música “Brasil Pandeiro”, de Assis Valente, interpretada por Novos Baianos.
Fonte ==> Folha SP