A mineração ilegal é hoje a principal atividade do crime organizado no Peru, movimentando mais de US$ 6,8 bilhões (cerca de R$ 37 milhões) por ano, superando até o tráfico de drogas e envolvendo facções que combinam violência armada e devastação ambiental.
O avanço desse setor clandestino, que já provoca desmatamento acelerado na Amazônia e massacres em regiões de mineração, agora ameaça também um dos maiores patrimônios da humanidade: as linhas de Nazca.
No final de maio, o governo peruano chegou a reduzir em 42% a área protegida que abriga os geóglifos milenares, sob o argumento de “otimização da gestão”. Após forte pressão interna e externa, incluindo críticas da Unesco, a decisão foi revertida no início de junho. Ainda assim, a ameaça persiste, com relatos de garimpeiros ilegais já operando dentro e nos arredores da área de proteção.
As linhas de Nazca foram criadas entre 500 a.C. e 500 d.C. pela cultura Nazca. As figuras incluem mais de 800 geóglifos, entre formas geométricas, representações de animais e figuras antropomórficas.
O Peru é atualmente o quarto maior produtor de ouro do mundo, e calcula-se que cerca de um quarto desse volume venha de fontes ilegais. Segundo dados oficiais e de organizações ambientais, a mineração clandestina deixou de ser um fenômeno isolado em áreas remotas da Amazônia e passou a operar em quase todas as regiões do país.
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O impacto é visível: mais de 18 mil hectares da floresta amazônica foram destruídos entre 2021 e 2023; centenas de toneladas de mercúrio foram lançadas em rios, contaminando populações ribeirinhas.
A resposta do governo peruano tem sido considerada insuficiente por ambientalistas. Falta fiscalização e proteção efetiva das áreas visadas pelas mineradoras. A crise política do país agrava o cenário. A presidente Dina Boluarte tem menos de 2% de popularidade e é refém de um Congresso composto, em sua maioria, por políticos acusados de corrupção e de vínculos com a criminalidade.
O resultado é um dos períodos mais inseguros da história recente do Peru. Entre janeiro e maio de 2025, o país registrou 757 homicídios, um aumento de 23% em relação ao mesmo período do ano anterior. As formas de violência também se radicalizaram: cresce o uso de sicários e a ocorrência de assassinatos em locais públicos.
Enquanto o debate sobre a proteção de Nazca avança, a mineração ilegal segue como um desafio que afeta não apenas o patrimônio histórico, mas também o meio ambiente e os direitos das comunidades indígenas.
Esse cenário não é exclusivo do Peru. Em outros países da região, facções transnacionais também se financiam por meio da mineração e de outras atividades ilegais. Na região amazônica peruana, colombiana e brasileira, os problemas são semelhantes: garimpeiros e pescadores que atuam de forma ilegal se multiplicam impunemente.
Não há expectativa de que o frágil governo peruano consiga enfrentar o crime organizado. No ano que vem, os eleitores terão a chance de escolher um novo presidente. Mas as alternativas não são animadoras.
Assim como na eleição anterior, os vários pré-candidatos têm índices de apoio muito baixos, e qualquer nome pode emergir do anonimato para chegar ao poder —como ocorreu com Pedro Castillo, que, com tão pouca base política, tentou um golpe e lançou o país numa nova maré de violência.
Fonte ==> Folha SP