“Tarcísio avança pelas bordas para 2026 e se equilibra para não melindrar Bolsonaro.” Publicado na última segunda (16), o texto era mais um dos que tentam indicar as costuras sendo feitas para as eleições do ano que vem.
No meio do relato, a Folha afirmava que, para aliados, Tarcísio de Freitas (Republicanos) “é um nome apoiado pelo mercado financeiro, pelo centrão e pela imprensa — e simbolizaria a candidatura do ‘establishment’”.
Peraí: “Pela imprensa”?! Esses aliados incluem a Folha no grupo? Talvez sim, talvez não, mas a afirmação era reproduzida pelo jornal sem nenhuma ponderação e assim permaneceu. Se a Folha também é “imprensa”, é no mínimo estranho que se veja nomeada num contexto opaco como esse e não busque esclarecê-lo.
O ruído se soma a outros problemas menores que, juntos, podem dar ou reforçar a impressão de que há condescendência do jornal com o governador, tanto à frente do Executivo estadual quanto em sua jornada nacional como candidato a avatar do inelegível Jair Bolsonaro (PL).
Em outro caso, uma sequência de notas tratava de formas bem diferentes projetos de natureza semelhante, em nível federal e estadual, de Lula e Tarcísio. A isenção do pagamento de conta de luz, sob Lula, era identificada como medida visando sua reeleição. Já a ampliação do desconto na conta de água e esgoto em SP não nomeava políticos (havia apenas um genérico “governo de SP”) e era tratada como “inclusão” desde o título, com destaque para seu aspecto social.
Também houve erro, já devidamente reconhecido e retificado, ao chamar de “pequena diferença” uma distância de 11 pontos nos índices de aprovação de Tarcísio e Geraldo Alckmin em período semelhante. Uma leitora viu nesse equívoco, em abril, um sinal de apoio a Tarcísio, o que afrontaria o apartidarismo apregoado pelo jornal em seus princípios editoriais.
A questão é que, apesar dos deslizes, o jornal também tem uma coleção razoável de material crítico ao governador. Se inicialmente promoveu sem muito contraditório a iniciativa de uma espécie de “Bolsa Família” de Tarcísio, mostrou que o projeto estadual “tem verba inferior à que governo deixou de gastar na área social”. Também evidenciou “distorções e omissões sobre golpismo” na defesa que Tarcísio fez de Bolsonaro. E, finalmente, usou o verbo certo em “Tarcísio bajula Bolsonaro” quando noticiou que o governador estava repetindo bordões do ex-presidente.
O problema, como quase sempre, está nos detalhes —e em evitar as armadilhas. Se a percepção dos próprios aliados é que se trata de um nome “apoiado pela imprensa”, pode ainda haver muito mais a ser mostrado.
GALÃ PODE ENVELHECER?
Um mês antes da morte de Francisco Cuoco, a Folha publicou um perfil do ator cuja introdução era dedicada a destacar sua decadência física. O texto listava que ele tinha “o olhar perdido”, “muito peso” e “pernas, inchadas, com pés roxos”. Ao falar, ele “ajeitou a sonda no nariz e soltou um muxoxo.”
Leitores protestaram contra o que viram como falta de respeito. “Matéria beirando a vulgaridade”, “texto agressivo e cruel”, “insensibilidade”… Um leitor defendeu o registro: “A verdade deve ser dita, dura como ela é. O resto é demagogia”.
A questão, nesse caso, é saber qual seria “a verdade” da vida aos 91 anos. Há normalidade nos problemas de saúde ou o usual seria conservar o porte de galã? Clint Eastwood é a regra ou a exceção?
“Os primeiros parágrafos se detêm em detalhamento gráfico de problemas de saúde e da aparência atual do ator, agressão e humilhação sem sentido e sem justificativa”, escreveu um leitor.
Depois do anúncio da morte, na última quinta (19), a Folha colocou entre seus destaques um novo texto, baseado no anterior, mais curto e sem a descrição pormenorizada do aspecto físico.
Ao longo do dia, a Globo mostrou repetidas vezes suas homenagens. A emissora fizera uma espécie de desagravo poucas semanas depois da publicação do perfil da Folha, com uma última entrevista do ator. A GloboNews dedicou também longos segmentos a Francisco Cuoco. “Eu gostei de ver como ele envelheceu bem”, declarou Jorge Pontual na noite da quinta.
Nos últimos anos, a Folha recebeu críticas por sensacionalismo nos obituários de mulheres (Aracy Balabanian, Marília Mendonça, Glória Maria e Rita Lee foram casos tratados pelo ombudsman anterior). Parece ter buscado equalizar o tratamento dos gêneros, só que pelo avesso.
Fonte ==> Folha SP