Era uma festa dentro do cofre do antigo Banespa e o convite dizia para chegar às 18h. De passagem pela cidade, a carioca aqui não pensou duas vezes. “Tranquilo, lá pelas 20h eu apareço.” Uma hora depois do que eu não imaginava ser compromisso lavrado em cartório e inscrito na pedra fundamental do Pátio do Colégio, recebo um “Cadê você???” entre emojis exasperados.
Fosse meu habitat natural, nas condições normais de temperatura e pressão que proíbem o nativo da bela e malandra São Sebastião do Rio de Janeiro de dar o ar de sua graça com menos de duas horas de charmoso atraso, nem “tchuns”. Contudo, eu estava sendo aguardada por aqueles que acertam os seus relógios pela torre da Estação da Luz.
“Ah, vá! Tá querendo ‘cariocar’?”. Sim, desde que me entendo como sudestina sou zoada por São Paulo. A começar pelos gibis da Turma da Mônica, que no meu pedaço de mundo eram “revistinhas”. “Bola de capotão”, que é isso? “Tubaína”? Engole essa, fedelha periférica. Os cães ladram e as caravanas da Vila Matilde que eu tanto via nos programas do Silvio Santos passam.
Até hoje cometo gafes e sou marginalizada entre o rio Pinheiros e o Tietê, atravancando filas e constrangendo transeuntes quando alguém atrás de um balcão pergunta: “Deseja o lanche ou o combo?”. Onde nasci, lanche é o combo.
“Tá, mas você vem pra cá no feriado? Fica em casa!” Pronto: eis meu coração em pedaços, feito piso de caquinhos no Tatuapé. Alheio ao código do convite, que soa como “recolha-se ao seu CEP, periguetona com sotaque de Alexandre Frota“.
Na falta de traquejo dos que vêm de fora e forçam amizade, chamando a metrópole de “Sampa” —veja bem: só Caetano Veloso tem tal intimidade—, são muitas as deselegâncias nessa ponte aérea. E não me refiro a chinelo de dedo na terra do suéter em pescoço de milionário.
Do alto de minha baixeza nada quatrocentona, saio do Rio em dúvida se exagerei no blush e chego a SP na certeza de que estou pálida feito fantasma da Consolação. Refiro-me a bater em porta de apartamento do primeiro andar à procura do 101. Ou a retrucar gentileza com “obrigada você”, em vez de “obrigada eu”.
Aplicada a distâncias e a relações humanas, me impressiona sobretudo essa noção tão local de proximidade. “É perto!” é a frase que mais ouço pelas esquinas. Tá no Morumbi e quer um bolovo no Ipiranga? Bora. Tá no Brooklin e precisa de companhia para uma partida do Juventus na Mooca? Tem jogo.
São Paulo é o lugar onde nos chamam e querem que a gente realmente vá. Mesmo sabendo que chegarei sem saber os códigos, pouco antes do cofre fechar com a gente dentro.
Fonte ==> Folha SP