A partir de Portugal, a forma como se vive o cinquentenário das independências africanas deveria ser, acima de tudo, de gratidão. Os movimentos de libertação das ex-colônias africanas lutavam pelas suas descolonizações, mas nunca há só a descolonização do colonizado sem haver uma descolonização do colonizador.
Nesse sentido, os movimentos de libertação lutaram pelos seus países, mas libertaram também o meu. Foi a exaustão em relação à guerra colonial que o regime salazarista levou a três cenários militares na África desde 1961 (Angola, Guiné-Bissau e Moçambique) que levou à formação do Movimento das Forças Armadas pelos jovens capitães que deram origem à Revolução dos Cravos.
Os países que de alguma forma foram unidos pela história são também, paradoxalmente, unidos pelas suas independências. A independência do Brasil não criou apenas o Brasil, mas também o Portugal moderno. Da mesma forma, as independências de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique (que fazem agora cinquenta anos) e Guiné-Bissau, que proclamou unilateralmente a sua em 1973, criaram o Portugal europeu de hoje para os portugueses e também para os muitos estrangeiros, a grande maioria deles lusófonos, que nele vivem. (E, já agora, também a independência de Timor-Leste e a devolução de Macau à China, que com outras vicissitudes ocorreram já perto do século 21).
Assumindo esse ponto, a questão central é como lidar hoje com as independências africanas. Uma das dimensões inevitáveis é a comemorativa. Mas precisamos de comemorações que não fiquem apenas no passado. A descolonização, afinal, é um processo em curso.
Lá Fora
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Tal como a colonização marcou indelevelmente as relações entre Europa e África (não só, claramente; mas agora falamos destas) também a descolonização é muito mais do que a mera proclamação da independência. É a partida de ambos, colonizador e colono, em busca do seu lugar pós-colonial no mundo.
O que seria, então, uma comemoração orientada para o futuro? Em meu entender, ela teria de passar por três eixos.
O primeiro é o de serem comemorações multilaterais, que envolvam os vários países e até terceiros (o Brasil, obviamente, é parte dessa história), e que sejam feitas a partir da sociedade civil, dos ativistas e artistas, da academia e dos testemunhos vivos, dos cidadãos comuns e não apenas dos governos.
O segundo é o do autoconhecimento e, se posso dizê-lo, até da autoestima. Dou um exemplo: propus que em Lisboa se criasse uma Casa das Escritas Africanas —ideia que, infelizmente, foi aprovada ao nível municipal, mas nada chegou a ser feito para que fosse implementada. Uma tal instituição permitiria valorizar o lugar de África na civilização como o continente onde várias escritas foram inventadas e criar um lugar de partilha, em particular para jovens autores, africanos, europeus, das diásporas e de outras paragens.
O terceiro eixo seria o de assumir um futuro a construir em comum. Não há nada que se resolva na relação entre África e Europa, das migrações ao extrativismo ao futuro da democracia, sem se entender o passado. As comemorações podem ser decisivas nesse quesito.
Fonte ==> Folha SP