Pense num país endividado, com gastos públicos elevados, inflação, juro alto e baixa confiança em sua capacidade de pagamento. Com serviços públicos ruins e classes sociais discrepantes.
Sim, os Estados Unidos.
Os EUA atualmente gastam mais do que arrecadam, o que os obriga a imprimir mais dólares e elevar sua dívida, gerando inflação, desconfiança e um ciclo vicioso do qual é difícil sair.
A esse cenário acrescente a burocracia, que pode ser muito pior que a nossa. Afinal, são 50 estados com 50 legislações diferentes, não raro conflitantes entre si.
O pior? Os EUA não têm a experiência do Brasil em lidar com crise, imprevisibilidade e inflação.
Esse é o pano de fundo de uma profunda inversão de fluxo de conhecimento. O Brasil pode se tornar exportador de tecnologia para os EUA graças à sua expertise em gerir crises e imprevisibilidades. Sabemos onde ficam as saídas de emergência do túnel da inflação. Eis a oportunidade para agregar valor à nossa pauta de exportação, ainda centrada em commodities.
As dificuldades macroeconômicas daqui impulsionaram inovações que agora possuem escala e maturidade institucional. Sistemas de parcelamentos, crediários, boletos, plataformas bancárias, mensalidades escolares, sistemas de gestão orientados para capital de giro, consórcios etc. Produtos que não eram necessários ou mesmo conhecidos nos EUA, mas que agora se tornaram remédios importantes para novos males. E por aqui nunca paramos: o Pix é avanço dessa nossa credencial.
O sistema digital de gestão B2B da Brex e o modelo de assinatura do Gympass são dois casos de tecnologia e know-how brasileiros já em operação nos EUA. Outras inovações, como a garantia contra inadimplência em aluguéis do Quinto Andar, também fariam sentido lá.
Uma tecnologia criada em 2020 no Brasil para eliminar o risco da inadimplência de escolas já se tornou meio de pagamento indispensável para mais de 4.000 colégios em quatro países da América Latina. Chamada Inadimplência Zero, ela foi criada para lidar com o combo histórico de inflação alta e pagamentos mensais (as mensalidades), o que permite às famílias se alavancarem a partir dos pagamentos escolares.
Nos Estados Unidos, isso nunca foi necessário. Mas agora é o novo normal.
Para escolas de menor porte, navegar por essa realidade (que pode ter vindo para ficar) é a diferença entre crescer e falir. Por conta dos parcelamentos e dificuldades de conciliação, até 20% da receita passou a ser recebida com atraso nos EUA. E, mesmo quando ela é paga, demora a cair na conta: no Brasil, o prazo médio de compensação de pagamentos escolares é de dois dias úteis; nos EUA, dez. Inviável sob inflação para setores como serviço e varejo.
Não é coincidência, portanto, que a brasileira Inadimplência Zero progrida nos EUA. Afinal, ela permite às escolas planejarem melhor o fluxo de caixa, sem ficar à mercê dos longos prazos de compensação.
O Brasil pode exportar tecnologias para os EUA. É hora de ensinarmos a eles como lidar com uma complexa e criativa gestão de pagamentos e produtos financeiros —tudo que, aqui, carinhosamente, conhecemos como “segunda-feira”.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte ==> Folha SP