A semana foi de Heleninha Roitman em “Vale Tudo”. Na terça (29), um capítulo quase todo dedicado ao maior porre da personagem de Paolla Oliveira, desesperada com a separação de Ivan, colheu elogios até dos haters da atriz, que sempre desprezaram aquele mexer constante dos cabelos.
Paolla comoveu, fez a gente sentir na pele toda a fragilidade emocional de Helena, e a vulnerabilidade física e emocional que pode colocar uma alcoolista em risco real.
O sucesso das duas Heleninhas –a de Renata Sorrah, em 1988, e a de Paolla agora– me fez pensar em como os personagens alcoolistas são quase um clássico recorrente no mundo das novelas, e como a sua representação evoluiu com o tempo.
A primeira alcoolista de que tenho lembrança em novela não foi exatamente um “case” de sucesso. Era uma beberrona discreta, talvez o tipo mais comum na vida real. Dona Lucy (Neuza Amaral) era uma pacata dona de casa de subúrbio em “Brega & Chique” (1987), mãe de Silvana (Cassia Kis) e Luis Paulo (Marcos Paulo).
Quase todas as cenas de dona Lucy começavam com os filhos ou o marido entrando na cozinha para falar com ela, que, pega de surpresa, corria para esconder a sua garrafinha de uísque debaixo da pia ou no fundo de um armário. Eram os anos 80, e o autor Cassiano Gabus Mendes deve ter pensado no alcoolismo de dona Lucy como uma discreta piada numa novela de comédia.
Eu, uma criança de oito anos, ficava me perguntando: mas por que ela bebe se tem uma família bacana? Hoje, me pego melancólico pensando que dona Lucy tinha uma vida enfadonha, presa em casa, amarrada a um marido feio e amargo, com filhos que já não ligavam para ela, perdendo os seus últimos anos de juventude nos afazeres domésticos. O alcoolismo esconde sempre uma angústia.
Do riso ao sofrimento
Esse já não era o caso do Bafo de Bode, o morador de rua cachaceiro de “Tieta” (1989). Hoje a gente sabe que a pessoa sem casa bebe por depressão ou até mesmo para se esquentar no frio. Mas Benvindo Siqueira é tão maravilhoso no papel que continuamos rindo muito na reprise que rolou este ano. A bebedeira de Bafo de Bode tinha uma virtude inegável: fazia ele arrotar verdades na cara de todos os habitantes de Santana do Agreste, dos mais humildes aos mais poderosos.
Manoel Carlos, o mestre das Helenas, também nunca dispensou os alcoolistas como catalisadores de conflito em suas novelas. Dois ficaram na memória: o doce e frágil Orestes (Paulo José), pai da mimada Maria Eduarda (Gabriela Duarte), em “Por Amor” (1997); e a professora Santana (Vera Holtz) de “Mulheres Apaixonadas” (2003), campeã de memes até hoje.
Santana era um pouco na mesma pegada da Heleninha de 1988: alternava cenas cômicas, como quando se jogava na piscina do colégio e virava motivo de chacota de seus alunos; e outros de um sofrimento danado, conduzidos com muita dor e talento por Vera Holtz.
Depois, Maneco ainda escreveu Renata (Bárbara Paz) de “Viver a Vida” (2009) –uma mulher “alcooléxica”, que associava seu alcoolismo à anorexia.
A proposta era boa, mas a novela não, e o autor não explorou a fundo a personagem –talvez porque os tempos já eram outros e não era legal abusar das cenas de degradação física de uma mulher em horário nobre.
Fragilidade comovente
Em 2025, Manuela Dias tem tratado o alcoolismo de Heleninha com bastante sensibilidade. Quando Odete insiste em chamar a filha de bêbada, lá está tia Celina para lembrar que mesmo a palavra “alcoólatra” (na raiz, adoradora do álcool) é errada.
Na terça, Paolla conseguiu pegar cada espectador pela mão e levá-lo por alguns minutos a conhecer pessoalmente o inferno da dependência em álcool. Não importa se a pessoa é rica, pobre, feia ou bonita. Mas importa se ela é mulher, mais exposta a uma violência masculina tóxica que está sempre à espreita em qualquer esquina, ou qualquer bar.
Fonte ==> Folha SP