Como diz a meninada hoje em dia, já está morto por dentro quem vê um pedaço de mata queimado e não se entristece ao reparar nos poucos troncos que sobraram depois do incêndio. Nos últimos anos, cenas como essas se multiplicaram onde quer que ainda houvesse vegetação nativa neste país. Há uma excelente razão, porém, para enxergar as poucas árvores –vivas ou mortas– que as chamas poupam com algo mais do que simples luto. É delas que uma nova floresta talvez possa nascer, feito a chuva que cai do céu.
Eis, em suma, o que diz um estudo recente sobre o que acontece quando o fogo devora um pedaço da mata atlântica. A possibilidade de que as espécies nativas voltem a crescer ali não vem da reprodução das próprias árvores que sobraram, mas sim da chamada chuva de sementes. Nela, dezenas de outras espécies são trazidas até ali (na forma de sementes, é claro) por animais que encontram refúgio nos troncos que ainda se erguem em meio às cinzas.
Tudo isso está devidamente quantificado no trabalho de Milena Gama e Eliana Cazetta, da Universidade Estadual de Santa Cruz (BA), e Pavel Dodonov, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), no periódico especializado Forest Ecology and Management. A mensagem é simples e clara: tanto troncos mortos, se ainda estiverem de pé, e ainda mais árvores vivas que escaparam do incêndio, não devem ser retirados sob o pretexto de ao menos aproveitar alguma madeira depois que a floresta queimou.
O que acontece é que até um tronco calcinado pode servir como equivalente ecológico das pedras acima do nível da água que permitem que alguém atravesse um riacho sem se molhar, saltando de uma para a outra. Animais que vivem em áreas preservadas nas vizinhanças do lugar destruído pelo fogo podem usar as árvores que sobraram como “pit stop” rumo a paragens mais amenas, especialmente se forem alados, como aves e morcegos.
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Ora, conforme sabe todo aquele que estaciona seu carro debaixo de uma árvore, bichos arbóreos às vezes resolvem eliminar os restos do que andaram comendo quando estão empoleirados. Isso significa que a enorme variedade de aves e morcegos que se alimentam de frutas tendem, com isso, a despejar no solo as sementes que também tinham engolido. Creio que a expressão “chuva de sementes” está mais do que clara agora, certo?
No novo estudo, feito no Refúgio de Vida Silvestre de Una, em território baiano, o trio de pesquisadores analisou a intensidade dessa chuva após incêndios que afetaram a área num período de seca severa entre dezembro de 2015 e fevereiro de 2016. Eles coletaram as sementes que chegavam ao solo em áreas sem árvores e embaixo de árvores remanescentes ainda vivas e troncos mortos, mas ainda de pé.
No total, eles identificaram um total estimado de 115 espécies com base nas características das sementes. Dessas, porém, só 36 estavam presentes no solo em que não havia árvores remanescentes por perto. O número sobe para 65 espécies perto dos troncos mortos e chega a 95 perto das árvores ainda vivas. A quantidade de sementes seguia esse mesmo aumento de uma categoria para outra.
Claro que não há garantia nenhuma de que, por si só, esse processo será capaz de reconstruir o que foi queimado. De todo modo, porém, a chance existe, se troncos e árvores sobreviventes ainda estiverem lá – um fio de esperança que não é pouca coisa.
Fonte ==> Folha SP