Seu chefe é aquele que sempre pede uma “coisinha rápida” às 18h59, quando você já está com a mochila nas costas e o Uber na porta? Adora marcar reuniões às segundas-feiras às 7 de manhã? Começa uma conversa com um elogio, emenda no “mas” e termina com você chorando no banheiro? Chama a equipe de família e desaparece na hora que você precisa de um abraço irmão? Dobra a meta uma semana antes do fechamento para adiar o seu bônus?
Agora o funcionário não precisa mais engolir a raiva nem arriscar o emprego para encontrar um jeito de dizer que seu chefe é um cretino, pelo menos nos Estados Unidos. O Agente Ratliff, alter ego do comediante americano Calimar White, inventou uma boa forma de fazer isso por você. Ele transformou o humor como ferramenta de exorcismo corporativo e em 2023 fundou o OCDA (Occupational Cares Diversity Affairs, algo como Assuntos de Diversidade de Cuidados Ocupacionais).
Um nome digno de alguma tarefa do Agente 86, mas cuja missão real é uma só: confrontar chefes intragáveis como o seu. Sem cone do silêncio, mas colocando a boca no trombone.
É simples: o funcionário manda suas queixas, paga uma taxa e a OCDA manda um agente ao local de trabalho da vítima (o chefe) para detonar o sujeito. Enquanto despeja na sua cara as mágoas, palavrões e verdades inconvenientes que estavam engasgadas na garganta do subalterno, o chefe engole a reprimenda sem saber quem foi desgraçado do funcionário que mandou o recado. Tudo é filmado e postado no YouTube.
Funciona? Desconfio. Resolve? Duvido. No máximo realiza o sonho de todo trabalhador sufocado: ver o big boss que se julga dono do universo ser desmascarado publicamente. Depois assistir novamente quantas vezes quiser.
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No dia seguinte, claro, tudo segue igual. O chefe continua mandando, o funcionário obedecendo, e a família corporativa fica só no discurso motivacional. A OCDA não vai instaurar a justiça social nas empresas, mas convenhamos, ver o carrasco virar meme no zap da firma já é um passo civilizatório.
Calimar White garante que a OCDA é uma ferramenta séria para proteger os trabalhadores. Segundo ele, a falta de comunicação nas empresas contribui para um ambiente tóxico e seu serviço dá voz a quem teme represálias. Aos superiores, ele deixa um recado: “vocês não são tão superiores assim e têm o dever de tratar os funcionários com respeito”. Respeito esse que vai além do verniz ético e tom de voz, e inclui salário e tratamento justos, sem transformar a vida deles numa filial da empresa.
O tipo de chefe assumidamente tirano saiu de moda. Agora, o discurso é de liderança humanista: fala-se em empatia, comunicação efetiva, ambientes acolhedores e até cochilos na hora do almoço são permitidos. Não duvido que alguns poucos tenham incorporado esses valores de verdade. Mas o que persiste é o que o sociólogo Luc Boltanski chamou de “o novo espírito do capitalismo”, uma exploração remodelada, dissimulada, porém não menos opressora.
Mesmo com polêmicas, a OCDA ganha popularidade lá fora, lembrando que humor e crítica social são uma combinação poderosa para chamar a atenção para problemas sérios.
Quem sabe, um dia isso vire movimento. Daí é só importar o modelo e nomear o nosso xerife nacional.
Rir do opressor é o primeiro ensaio de libertar-se dele.
Fonte ==> Folha SP