O britânico Bernard Shaw (1856-1950), tão genial como dramaturgo quanto ranheta como pensador, explicou sua aversão aos instrumentos de sopro: “Eles prolongam a vida de quem os toca”. Poder-se-ia perguntar como Shaw, que não tocava nenhum instrumento, conseguiu chegar aos 94 anos, se a expectativa de vida no Reino Unido, quando ele nasceu, era de menos de 40. E que bom que um instrumento de sopro —a humilde gaita de boca— tenha permitido ao carioca Mauricio Einhorn chegar em grande forma aos 93 anos para nos presentear com esse disco recém-lançado, “Mauricio and Horns”, talvez a suma de sua carreira a serviço da música brasileira.
Não só dela, mas da mais secreta música brasileira. O jovem Mauricio já era um dos músicos que, nos anos 1950, cozinhavam a futura bossa nova, ao lado de Johnny Alf, Durval Ferreira e Bebeto Castilho, seus parceiros em “Estamos Aí”, “Nuvens”, “Tristeza de Nós Dois”, “Batida Diferente”, “Disa” e “Sambop”, alguns dos primeiros clássicos instantâneos do gênero. Foi também um dos pilares da ponte jazz-bossa nova, que resultaria no samba-jazz.
E por que secreta? Porque, você já ouviu Mauricio Einhorn em incontáveis discos de que ele participou como acompanhante de cantores brasileiros e americanos, e nunca ficou sabendo que aquelas mágicas passagens de gaita eram dele. Agora, graças ao produtor marroquino Jacques Muyal, a quem o jazz deve mais do que poderá pagar, temos um raro Mauricio em primeiro plano, gravado este ano no Rio, com um timaço a apoiá-lo: a big band de Idriss Boudrioua e os convidados Paquito d’Rivera e Lula Galvão.
Mas, como estamos no Brasil, “Mauricio & Horns”, prensado na Alemanha, não sairá fisicamente aqui. Você não o encontrará nas nossas já poucas lojas. Pode ser escutado completo na Netflix, mas talvez você só esteja sendo informado disso por esta coluna. Para nossa indústria fonográfica, não merecemos ter nem a grande música que produzimos.
Só podemos produzi-la. E, como eu disse, mesmo assim em segredo.
Fonte ==> Folha SP