A equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda caminhos para reduzir despesas orçamentárias como forma de equilibrar as contas públicas e cumprir a meta de déficit zero em 2024 e 2025.
Uma das ideias em avaliação passa pela revisão de regras de benefícios sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) − pago a idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade.
Mas a medida é vista como politicamente sensível e pode ser barrada pela ala política do governo ou mesmo por Lula, que tem rechaçado qualquer ajuste fiscal que recaia sobre a camada mais pobre da população.
Além da revisão de cadastros, um ponto em avaliação poderia criar incentivos para um incremento em contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em linhas gerais, há uma leitura de que benefícios previdenciários deveriam ter remuneração diferenciada dos assistenciais, já que eles contaram com algum nível de contribuição.
Se tal lógica fosse aplicada, aposentadorias e pensões teriam algum mecanismo para garantir repasses mais elevados do que programas como o BPC, o abono salarial (espécie de 14º salário pago anualmente a trabalhadores formais com renda mensal de até 2 salários mínimos), o benefício por incapacidade temporária (conhecido como auxílio-doença), o seguro-desemprego e o seguro defeso (pago a pescadores artesanais).
“Por que o pessoal que trabalha, ganha o salário mínimo e contribui [com o INSS] tem o mesmo reajuste [nos vencimentos] dos beneficiários do BPC? O sujeito muitas vezes não trabalhou e não contribuiu e tem direito ao mesmo salário mínimo”, argumentou um parlamentar da base do governo. Ele acredita que há espaço depois das eleições para a discussão vir à tona.
Tal leitura ecoa pela Esplanada dos Ministérios. “Damos o mesmo tratamento para essa pessoa que para alguém que contribuiu para o INSS durante pelo menos 20 anos. Uma pessoa que queira se aposentar com o salário mínimo precisa contribuir com 20 anos, ter mais de 65 anos e a contribuição dele é de 7,5% em cima do salário mínimo, e o empregador tem que pagar 20%. São 27,5%, enquanto o outro não está pagando nada”, disse uma fonte reservadamente.
Segundo fontes consultadas pela reportagem, a diferenciação ocorreria em dois flancos. No primeiro deles, seria modificado o fator de correção dos benefícios, atualmente indexados à regra do novo salário mínimo − que consiste na soma da variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e do Produto Interno Bruto (PIB) em um ano.
A ideia neste caso seria vincular a correção apenas à inflação, garantindo a manutenção do poder de compra do beneficiário ao longo de tempo − porém, sem mais ganhos reais. A mudança, na prática, geraria um distanciamento cada vez maior entre as remunerações indexadas ao salário mínimo (aposentadorias e pensões) e a dos benefícios − “boca de jacaré” que garantiria forte economia para as contas públicas.
Segundo dados do Relatório Resumido de Execução Orçamentária da União (RREO) de dezembro de 2023, divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional, o governo federal destinou R$ 25 bilhões para o pagamento do abono salarial, R$ 48 bilhões para o seguro desemprego e outros R$ 90 bilhões para o BPC destinado a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
Em outro flanco, existe uma avaliação sobre formas de se criar incentivos para a contribuição ao INSS. O entendimento é que o fato de um benefício assistencial pagar o mesmo que o salário mínimo garantido a um aposentado que realizou aportes representaria uma distorção, que desestimula o contribuinte.
“Se uma pessoa contribuir por 10 anos e não conseguir se aposentar, cai no BPC. Seria uma injustiça ela receber o mesmo que quem contribuiu com R$ 0,00”, diz uma fonte da equipe econômica sob a condição de anonimato.
Ela defende que a pessoa do exemplo receba um benefício entre o piso da assistência (com a nova regra de correção) e o piso da Previdência (que mantém o reajuste atrelado ao salário mínimo). O cálculo do valor a ser recebido deveria levar em conta o que se chama de “densidade de contribuição”, que contempla duas variáveis: tempo e volume.
Nesta lógica, quanto maior o período em que o contribuinte fez aportes ao INSS e quanto mais alto o montante dos pagamentos, maior seria o valor a que ele teria direito, mesmo que a título de benefício assistencial.
A ideia, no entanto, pode enfrentar resistências dentro do próprio governo. Na semana passada, o presidente Lula descartou, em entrevista ao portal UOL, uma desvinculação de aposentadorias do salário mínimo e emendou: “A palavra salário mínimo é o mínimo do mínimo que uma pessoa precisa para sobreviver. Se eu acho que eu vou resolver o problema da economia brasileira apertando o mínimo do mínimo, eu estou desgraçado, eu não vou para o céu, eu ficaria no purgatório.”
Para uma fonte da equipe econômica, ainda é possível criar uma narrativa para a medida. Ela lembra que o Bolsa Família, apesar de ter tido aumento nos últimos anos, oferece repasses significativamente inferiores ao salário mínimo. E justifica que seria natural aposentadorias e pensões terem pagamentos superiores aos de programas sociais.
Outro benefício que poderia passar por ajustes é o abono salarial, visto como altamente regressivo (ou seja, que não contribui para reduzir a desigualdade social no país, deixando de atender as camadas mais pobres da população). Isso porque o programa só contempla empregados formais e se estende até 2 salários mínimos − o que faz com que uma família de duas pessoas com essa renda (que não representa a base da pirâmide) tenha direito a 2 pagamentos anuais.
No caso do seguro desemprego, também há uma ideia de criar “bandas” de contribuição para as empresas a depender do nível de rotatividade de funcionários, além de um aumento do período de experiência.