“Mirian, ‘Memórias de uma Antropóloga Malcomportada’ é um elogio à tristeza?”
Foi assim que o jornalista Jairo Marques, no lançamento do meu livro em São Paulo, me fez refletir sobre a importância da tristeza na minha antropologia malcomportada. Desde “A Outra: um Estudo Antropológico sobre a Identidade da Amante do Homem Casado”, de 1990, até minhas memórias, a tristeza tem sido a protagonista dos meus livros.
Apesar de as “Outras” que entrevistei afirmarem que só recebiam o “filé mignon” dos amantes, era evidente a tristeza de não serem “a única, a número 1, a oficial”. Depois, por não aguentar mais ouvir: “Você é a Outra? Seu marido teve uma Outra?”, decidi escrever minha tese de doutorado, defendida em 1994, sobre a trajetória de uma mulher revolucionária: Leila Diniz. Descobri que, por trás de sua imagem libertária e irreverente, existiu uma história familiar trágica que culminou com o suicídio do seu pai. Leila morreu, aos 27 anos, em um acidente de avião. Uma história com muitas tristezas.
Em seguida, pesquisei a invisibilidade de mulheres militantes políticas, e, depois, os preconceitos e estigmas de envelhecer em uma cultura que hipervaloriza a juventude, a beleza e a sensualidade. Mais tristezas, sofrimentos e vergonhas.
Contei para Jairo que, durante muitos anos, não quis entrar nas redes sociais. No entanto, após meu TEDx “A Invenção de uma Bela Velhice” viralizar no Youtube, no início de 2018, acabei criando um perfil no Instagram. Sem conhecer as regras do algoritmo, comecei a postar diariamente os “textões da Mirian”. Ganhei a bronca de uma amiga que tinha centenas de milhares de seguidoras: “Mirian, o algoritmo não gosta de textões sobre tristeza. Você tem que fazer dancinhas, postar vídeos engraçadinhos. As pessoas querem dar risadas, se divertir, se distrair. Seus textões dão vontade de chorar”.
Não sei (nem quero) fazer vídeos engraçadinhos ou dancinhas. Também escrevi sobre a minha tristeza nas colunas na Folha, inclusive “Tristeza não é Doença” (10.mar.2021).
No dia 19 de setembro de 2021, meu Instagram “bombou”: ganhei milhares de seguidoras e fiquei mais de 12 horas respondendo a centenas de mensagens que recebi. Foi assim que descobri que muita gente estava cansada da ditadura da felicidade nas redes sociais. Tudo porque a psicóloga Ana Canosa leu o seguinte “textão da Mirian” no programa de domingo da Eliana, no SBT:
Colunas e Blogs
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“Sempre fui uma menina triste, muito triste. Continuo sendo.
Não me lembro de momentos felizes da infância. Só de brigas, gritos e surras.
Sempre fui uma menina insegura, muito insegura. Continuo sendo.
Aprendi a me esconder dentro do armário para não ser machucada.
Sempre fui uma menina invisível, muito invisível. Continuo sendo.
Invejava as meninas que tinham tudo o que eu não tinha: amor, carinho, roupas bonitas, comidas gostosas, presentes do Papai Noel.
Sempre fui uma menina angustiada, muito angustiada. Continuo sendo.
Achava que só a morte poderia me libertar das torturas diárias.
Como essa menina tão triste conseguiu sobreviver ouvindo todos os dias que era uma bosta?
Como essa menina tão insegura encontrou, aos 16 anos, um caminho de libertação?
Como essa menina tão invisível teve a coragem de escrever?
Como essa menina tão angustiada aprendeu a transformar a tristeza em beleza?
Como?
Até hoje não sei…”
Fonte ==> Folha SP