Fruto de discriminação racial, as igrejas dos homem pretos foram construídas para reunir a parte oprimida da sociedade colonial. Seus frequentadores eram escravos a alforriados e nelas se praticava um culto sincrético que misturava o catolicismo com ritos afro-brasileiros. A distinção entre igrejas para pretos e brancos revelava a divisão social que se manifestava no campo religioso.
Ligadas à irmandade de Nossa Senhora do Rosário, essas igrejas para os desamparados surgiram primeiro em São Tomé e depois em Angola, na África, entre os séculos 16 e 17. No Brasil elas são do século 18. Em São Paulo, há duas delas, a do largo do Paissandu e a da Penha, que preserva as característica originais e onde ainda pulsa a tradição africana.
As irmandades dos homens pretos surgiram como lugares de socialização e resistência. Eram locais de encontro e confraternização para os excluídos, que não podiam frequentar a igreja dos brancos. Suas finalidades eram exaltar a figura da Virgem Maria, representada pelo rosário, e a catequização dos escravos, grande parte de origem banta, do antigo Congo.
Nos rituais dos homens pretos se mesclavam divindades católicas e pagãs. São Benedito, por exemplo, recebia o nome do Lingongo, Santo Antônio, de Vereque, e Nossa Senhora das Dores, de Sinhá Samba. Como as irmandades de Nossa Senhora do Rosário eram muito pobres, elas necessitavam coletar dinheiro com esmolas para construir suas igrejas.
Ao longo do mês de junho e até 6 de julho, a igreja da Penha, erguida em 1802, tem uma rotina intensa de eventos para comemorar seu aniversário de 223 anos de fundação. A programação une a fé católica, o trabalho das pastorais e das irmandades negras de São Paulo, a cultura afro-brasileira e, neste ano, um compromisso maior com a preservação do meio ambiente.
Os festejos foram abertos com a missa afro-brasileira e o levantamento do mastro com a congada Santa Efigênia de Mogi das Cruzes. Ontem, houve uma missa campal, a coroação dos reis da festa e uma procissão. No dia 28, haverá a noite dos tambores ancestrais com distribuição do bolo de São Benedito.
As festas do Rosário envolvem músicas de diversos ritmos, incluindo batuques e sambas, além de banquetes para homenagear reis e rainhas. Mulheres dançam paramentadas com roupas brancas e vermelhas, lenços na cabeça, colares, pulseiras e rosários de contas.
Chama a atenção a diferença arquitetônica entre a igreja Nossa Senhora da Penha, dos brancos, e a igreja do Rosário, que precisa urgentemente de uma restauração. Uma está próxima da outra. Enquanto a primeira é maior e suntuosa e está com o acabamento impecável, a dos pretos sofre com o abandono, tem uma fachada e um interior modestos, com poucos adornos, e abriga só uma missa semanal. Para construí-la, os membros da irmandade pediram esmolas durante cinco anos.
A igreja do largo do Paissandu foi construída voluntariamente por homens negros no início do século 20. Estava localizada originalmente onde hoje é a praça Antônio Prado. Havia sido erguida em 1722 em taipa de pilão e reunia escravos e alforriados. Em 1903 foi demolida no processo de urbanização levado adiante pelo prefeito que dá nome à praça e transferida para onde se encontra atualmente, desde 1906.
Fonte ==> Folha SP