Confesso que comprei “Lower Than the Angels” (mais baixo que os anjos), de Diarmaid MacCulloch, em busca de sacanagem. O subtítulo do livro, afinal, é “uma história de sexo e cristianismo”. E a obra não decepciona. A sacanagem está lá, mas “Lower…” é muito mais do que um catálogo de histórias picantes.
O livro é deliciosamente erudito. O Venerável Beda é citado nada menos do que 19 vezes; João Crisóstomo, 18. E é informativo também. Nele eu aprendi que Jeová, sim, aquele que separou a luz das trevas, foi durante vários séculos casado. Sua mulher, como atestam inscrições do século 8 a.C., chamava-se Asherah e era objeto de devoção dos hebreus. A explicação para isso é que o monoteísmo que Lhe custou a esposa demorou para se fixar. Nesse entremeio Ele conviveu com outros deuses —e deusas.
McCulloch também ensina que foi por pouco que Lutero não abraçou a poligamia, que chegou a recomendar a amigos. Outra boa história é a do profeta russo Kondratii Selivanov, que, devido a um erro de tradução da Bíblia que utilizava, instruiu seus seguidores a se automutilarem. Na sua versão das Escrituras, o famoso “Multiplicai-vos” virou “Castrai-vos”. Contra todas as expectativas, a seita sobreviveu por dois séculos.
Com amplo conhecimento histórico e teológico, McCulloch mostra em detalhe como diferentes ramos do cristianismo chegaram a conclusões tão diferentes sobre casamento, virgindade, relações homossexuais, masturbação etc. A ideia básica é que as Escrituras formam um conjunto muito diverso e frequentemente contraditório de afirmações. Se o “Levítico” manda matar os gays, a relação homossexual de David e Jônatas é descrita de forma poética em “Samuel”. Como vemos hoje com questões jurídicas, a partir de um conjunto finito de textos, é sempre possível montar um raciocínio coerente para sustentar qualquer tese.
Se há algo que não deveria nos surpreender é encontrar desde igrejas cristãs que celebram o casamento gay até aquelas que proíbem o divórcio e não ordenam mulheres.
Fonte ==> Folha SP