A equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) analisa caminhos para desvincular a nova regra de reajuste do salário mínimo da correção dos valores repassados a título de benefícios previdenciários. A medida, ainda em discussão em nível técnico, seria uma das alternativas para reduzir o volume de despesas orçamentárias na busca pelo equilíbrio das contas públicas.
Um dos caminhos avaliados neste sentido seria garantir que benefícios previdenciários fossem reajustados apenas pela inflação acumulada em um ano − regra que foi aplicada ao salário mínimo durante os três últimos anos do governo de Jair Bolsonaro (PL).
Na atual administração, foi retomada uma política de valorização do salário mínimo, a partir da qual os valores são atualizados pela inflação acumulada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) somada ao Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior. E qualquer mudança nesta regra geral é hoje vista como muito pouco provável.
Com o desenho em discussão pela equipe econômica, haveria uma diferença entre os valores pagos a título do salário mínimo − que seguiria como indexador para o pagamento de aposentadorias e pensões − e outros a benefícios como abono salarial (uma espécie de 14º salário pago a trabalhadores formais com renda mensal de até 2 salários mínimos), benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença), seguro-desemprego e seguro-defeso (pago a pescadores artesanais).
Dado que as regras de correção seriam distintas, seria possível gerar uma economia dos valores pagos pelos programas a cada ano, já que o “degrau” gerado entre os desenhos cresceria continuamente. De igual forma, estaria assegurado pressuposto da Constituição Federal, que diz que o salário mínimo é um direito do trabalhador e deve ser reajustado periodicamente para garantir seu poder de compra.
A ideia é que, apesar de todas as medidas tratarem da subsistência de cidadãos, haja uma diferença nos valores recebidos entre quem contribuiu para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e quem não o fez. O que geraria um incentivo para mais pessoas contribuírem com a Previdência. O caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pago de forma permanente a idosos e pessoas com deficiência ainda é avaliado (politicamente, a leitura é que a medida enfrentaria fortes resistências na base de Lula).
As estimativas dão conta de uma economia potencial de cerca de R$ 1 trilhão em um período de 10 anos.
Calendário das medidas
Apesar da recente pressão de agentes econômicos por uma agenda de corte de despesas e do anúncio feito ontem (3) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), a tendência é que essas medidas ainda levem um tempo de maturação. Isso porque elas são consideradas politicamente sensíveis e, caso avancem dentro do Poder Executivo, podem ficar para depois das eleições municipais.
“Antes das eleições, é muito difícil mexer em programas populares e é muito difícil mexer em despesas − quase todas têm algum impacto para algum lado em termos de voto. O que precisa é ter uma estratégia”, afirmou uma fonte da equipe econômica.
Ela defende que o governo tenha uma estratégia que, no curto prazo, evite um crescimento das despesas que prejudique o equilíbrio das contas. A ideia é que, durante a campanha eleitoral, o Poder Executivo avance na construção das medidas, que poderiam ser apresentadas logo após o resultado das urnas, em outubro.
“Não é ficar parado e começar a trabalhar depois das eleições. É deixar tudo pronto, combinar, conversar, falar com os players que vão ser determinantes para essa agenda andar depois das eleições”, explicou.
A fonte advoga que a estratégia de curto prazo seja de seguir no avanço do combate a fraudes e distorções em programas sociais, com revisões de cadastros similares ao que já tem sido implementado nos ministérios da Previdência Social e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Nos bastidores, circula uma estimativa de que ainda haveria espaço para reduzir em cerca de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões as despesas nessas pastas. Mesmo que tal montante não seja atingido, a fonte argumenta ainda haver “um espaço razoável”. “No ano passado, conseguimos R$ 9 bilhões no Bolsa Família. Até agora ele não contribuiu [com o ajuste fiscal] − e temos 6 meses [pela frente]“, disse.
Outra fonte da equipe econômica destaca a existência de uma espécie de “indústria” de fraudes e cita como exemplo movimentos de pessoas para desmembrarem suas famílias e receberem separadamente o Bolsa Família ou o Benefício de Prestação Continuada (BPC) − aumentando, assim, o montante total recebido do governo federal.
Atualmente há advogados especializados nesse tipo de operação, que pode ser feita diretamente em cartório apenas com a anuência das partes. No caso do BPC, também existe uma leitura de maior conscientização da população, que levou a um aumento no número de pedidos de acesso ao benefício, e mudanças no diagnóstico de doenças e classificações de deficiências. Por outro lado, suspeita-se ainda que o BPC tenha se tornado uma espécie de “auxílio doença do trabalhador informal”.
De qualquer maneira, a aplicação de uma regra vinculada à inflação no caso do BPC é visto como politicamente muito sensível e que dificilmente seria aceita por Lula.
Incentivos à contribuição
Na avaliação de um parlamentar da base do governo com boa interlocução no Ministério da Fazenda, a discussão sobre vinculações vai voltar à tona depois das eleições municipais. Para ele, no entanto, existe a preocupação com a disposição de lideranças mais ligadas ao Poder Executivo defenderem tais medidas abertamente no Legislativo.
“Por que o pessoal que trabalha, ganha o salário mínimo e contribui [com o INSS] tem o mesmo reajuste [nos vencimentos] dos beneficiários do BPC? O sujeito muitas vezes não trabalhou e não contribuiu e tem direito ao mesmo salário mínimo”, argumentou.
Tal leitura ecoa na Esplanada dos Ministérios. “Damos o mesmo tratamento para essa pessoa que para alguém que contribuiu para o INSS durante pelo menos 20 anos. Uma pessoa que queira se aposentar com o salário mínimo precisa contribuir com 20 anos, ter mais de 65 anos e a contribuição dele é de 7,5% em cima do salário mínimo, e o empregador tem que pagar 20%. São 27,5%, enquanto o outro não está pagando nada”, disse uma fonte reservadamente.
A ideia com o novo modelo de correção de benefícios sociais seria criar incentivos para haver a contribuição, já que haveria um diferencial cada vez maior nos valores recebidos nos dois casos.
Considerando a diferença entre as duas regras seria gerada pelo crescimento econômico anual (que seria levado em consideração para o cálculo do salário mínimo, mas não para alguns benefícios), a grade de parâmetros da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda apontaria para uma diferença de 2,5% já em 2025.
Levando em conta as estimativas do órgão para os 5 anos seguintes (2,8% em 2025; 2,5% em 2026; 2,6% em 2027; e 2,5% em 2028), a distância entre o valor pago para o salário mínimo e para os benefícios passaria a 10,81% − o que significaria R$ 152,64 mensais se fosse considerado o valor atual do salário mínimo (R$ 1.412,00).
Segundo dados do Relatório Resumido de Execução Orçamentária da União (RREO) de dezembro de 2023, divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional, o governo federal destinou R$ 25 bilhões para o pagamento do abono salarial, R$ 48 bilhões para o seguro desemprego e outros R$ 90 bilhões para o BPC destinado a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
A estratégia de limitar a desvinculação a alguns benefícios sociais em que não houve contribuição por parte do cidadão e garantir a correção pelo salário mínimo é vista por integrantes da ala econômica como alternativa para driblar as resistências de Lula a mexer no salário mínimo e sua vinculação a aposentadorias e pensões.
Em conversa com o InfoMoney, uma fonte reconheceu que o debate sobre auxílio doença, abono salarial e seguro desemprego sempre foi “muito difícil” politicamente. Mas disse que, dadas as condições relativas, “pode não ser tão difícil assim” avançar depois das eleições municipais.
Ele lembra, ainda, que, como são benefícios temporários, o público afetado é difuso e não sentirá os efeitos imediatamente, já que muitos não estarão usufruindo deles no momento da transição. Além disso, ainda levaria um tempo para que o “degrau” em relação ao salário mínimo pela regra atual seja de fato percebido.