Você liga a televisão ou o streaming para assistir ao judô nos Jogos Olímpicos. A transmissão ao vivo mostra o ginásio lotado. A qualquer momento, o judoca brasileiro vai pisar no tatame. Só que, quando as imagens exibem o lado de fora, dá para ver que não faz calor. A arena está cercada por montanhas de neve. No calendário, não é julho e, sim, fevereiro.
A cena parece impensável, mas é cogitada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Isso, nas palavras de Sebastian Coe, um nome respeitado no mundo do esporte. Campeão nos 1.500 m rasos nos Jogos de Moscou-1980 e Los Angeles-1984, o britânico é presidente da Federação Internacional de Atletismo.
Agora, também faz parte de um grupo de trabalho recém-criado pelo COI com o objetivo de analisar o programa olímpico. Isso inclui revisar o calendário, definir quais modalidades podem entrar ou sair das Olimpíadas e discutir a ideia de transferir para os Jogos de Inverno esportes olímpicos de verão disputados em arenas cobertas. Em entrevista para jornais aqui do Reino Unido, como The Guardian e The Times, Coe citou o judô como uma possibilidade. Com 28 medalhas, é o esporte mais vitorioso do Brasil em Jogos Olímpicos.
Não dá para saber quão séria é essa sugestão –o Comitê Olímpico do Brasil, por exemplo, não foi consultado. Mas o fato de alguém com o calibre do Coe falar isso para jornalistas de publicações respeitadas significa que a possibilidade de fato é cogitada.
Com todo respeito a quem tem infinitamente mais experiência no esporte do que eu, acho impossível esse debate seguir em frente. Certamente enfrentaria resistência de federações, confederações, patrocinadores e de quem compra direitos de transmissão nos países com tradição no esporte “excluído”.
Imagine a confusão que causaria na cabeça do público, no planejamento dos atletas, no quadro de medalhas. Em 2014, o presidente da Federação Internacional de Judô ironizou uma ideia parecida, chamando-a de “humor britânico”.
Nos últimos anos, o movimento olímpico vem tentando se reinventar, seja para atrair o público jovem ou, na palavra de moda, seguir sendo “relevante”. Algumas iniciativas foram excelentes, como a introdução do surfe, skate e escalada, sucessos de público e audiência. Esforços do COI para chegar à paridade de gênero entre competidores estão dando certo. A mudança na transmissão oficial, sem imagens fechadas nos corpos das atletas, foi um passo importantíssimo para que o foco seja a performance esportiva. A decisão do próprio Coe de dar premiação em dinheiro para campeões olímpicos no atletismo em Paris-2024 foi acertada.
Outras me tiram um pouco do sério, como a primeira edição do Olympic Esports Games, anunciada para 2027. Videogame não é esporte. Tirar modalidades esportivas tradicionais do programa olímpico de verão e colocá-los em outra data, lugar, para um público totalmente diferente, é algo com potencial para desastre.
No excelente livro “A Virada Olímpica”, Michael Payne, diretor de Marketing do COI entre 1983 e 2004, conta “como os Jogos Olímpicos se tornaram a marca mais valorizada do mundo”. Ainda acho que são.
Modernizar é importante. Só que, quando se tenta inventar demais em busca da tal relevância, o efeito pode ser justamente o contrário.
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Fonte ==> Folha SP