Prédios espelhados, lisos, sérios e monótonos fazem mal para as cidades e para as pessoas.
A premissa é do designer inglês Thomas Heatherwick, no livro “Humanizar”, lançado agora no Brasil. A manifestação da doença arquitetônica é o tédio cotidiano. E quem sofre com prédios feios não são os clientes que pagaram pelo projeto e sim todos as milhares de pessoas que vão passar em frente à obra todos os dias.
O livro é polêmico e o autor, designer –e não arquiteto—, sabe disso. Ele atribui a mediocridade das obras de novos edifícios a dois fatores.
O primeiro é a busca exagerada por redução de custos. Construtoras e incorporadoras precisam, é claro, ser lucrativas e produzir unidades em massa. O problema é que, nesse esforço, estão deixando de se preocupar com o legado para a vizinhança e a cidade.
Heatherwick argumenta que, sem aumento significativo de custo, daria para colocar mais criatividade na busca por detalhes, desenhos e superfícies que garantam um mínimo de beleza, interesse e conforto visual, mas há um agravante: grande parte das empresas imobiliárias já contam com equipes anônimas –e não mais autorais– que apenas regurgitam projetos já feitos e refeitos.
O segundo fator que perpetua o tédio é o que tem provocado alguma polêmica onde o livro foi lançado: os monótonos e insípidos edifícios de hoje seriam resultado direto da herança do modernismo e seus seguidores. Heatherwick chega a chamar Le Corbusier de “Deus do Tédio”.
A ideia de destruir ícones de outras eras é, evidentemente, pensada, tal como fez Jan Gehl ao dar o nome de “Síndrome de Brasília” à falta de humanidade das cidades modernistas.
O livro é ele mesmo um objeto agradável e bonito, uma tentativa de exercitar o senso estético do designer premiado. Cada página é diferente da outra, fotos e desenhos se misturam ao texto e o leitor caminha pelas suas mais de 400 páginas sem sentir o peso.
Emoção como função
Apesar do livro não tratar de casos brasileiros, ele inspira a pensar em nossas cidades.
Andando por São Paulo, é possível ver bons lançamentos em todo o espectro dos orçamentos. De um lado, a primorosa e cara obra do Hotel Rosewood, que se preocupou com o restauro do patrimônio, o design e até a integração da vegetação à calçada. No extremo oposto, bons projetos de moradia social em periferias comissionados pela prefeitura, como Guaicuri ou Vila Nordestina, planejados por arquitetos comprometidos e feitos com cuidado, que já apontam para rumos muito distantes dos tradicionais conjuntos habitacionais, como Cidade Tiradentes, que infelizmente pautaram a paisagem da cidade por décadas.
Entre esses dois extremos, porém, grande parte dos novos edifícios que vemos surgindo diariamente à nossa frente possivelmente vão pontuar mal na escala do “tediômetro”, proposta pelo autor. São edifícios que não oferecem complexidade alguma e são pouquíssimos generosos com o entorno, seja a dois metros de distância (a porta), 20 metros (do outro lado da rua) ou 40 metros (escala da cidade).
Heatherwick chega a propor um movimento contra a arquitetura do tédio. Talvez seja um exagero, mas não custa lembrar que os edifícios que estão sendo construídos agora vão nos acompanhar pela maior parte de nossas vidas. A vítima do tédio, da feiúra e do desprazer da rua somos nós, passantes, e a própria socialização na cidade. No fundo, o que ele prega é até bem modesto: que um edifício seja capaz de prender a atenção de quem está passando por ele e inspire para que as pessoas estejam mais tempo na rua.
Fonte ==> Folha SP