Com a publicação de seus novos poemas, Paulo Scott nos brinda com um livro disruptivo, não só do ponto de vista da estética, mas de sua trajetória e engajamento político cívico-literário. Scott é um cidadão comum, mas da elite da melhor nacionalidade: a linguagem dos seus textos incorpora construção e reconstrução de línguas e da palavra escrita como método, como pertencimento a lugares históricos; dentro de suas ressonâncias ancestrais coabitam suas origens e seu modo de ver e encarar o mundo.
Eis o que se percebe, logo nas primeiras de páginas de “Sanduíche de Anzóis” (Alfaguara) –tratado profundo de concepção e formas de palmilhar o universo conceitual e filosófico a que chamamos de Terra, a que entendemos como globo, a que utilizamos como estrada pavimentada que só faz todo sentido quando iluminada pelo farol de frases que se impõe como método e nos faz repensar feito existência, não da vida como ela é, mas para além dos muros e suas caixinhas.
Paulo Scott é um frasista-pensador. É erudito. Alguém que diz “toda morte é ventre”, “a tarde é o reflexo de sol nas calhas do viaduto”, “sobreviver/ demora/ é quase nunca/ nunca”, “na inquietude da cidade/ a inquietude de certos casais”, “espalhando na casa/ versos que não precisam de vingança”, “tuas pétalas/ e na palavra pétala” e “no dia em que Nelson Mandela é solto/ decidimos entrar num restaurante barato/ atrás do oxigênio que só existe/ para quem pode pedir um prato de comida/ fora das instalações de um hospital/ e meu irmão não entende muito bem/ quando digo que Mandela foi solto”.
Nessas “escritas novas e escrita reinventada até aqui”, “Sanduíche de Anzóis” torna-se um petisco apetitoso saboreado em quatro porções – a primeira parte é sobre o amor, a segunda é sobre a revolta, a terceira é sobre a loucura e a quarta é sobre o manifesto.
A última parte, a do “manifesto”, composta por um único poema, e que não tem título – como todos os demais que integra sua obra -, Paulo Scott faz (ou tenta nos fazer ouvir) a síntese de sua catarse existencial, onde toca melhor o tambor de sua glória, do seu sentir, talvez da dor sublimada em lágrimas:
“Da sua boca ocupada em mastigar a própria mãe/ depois de envenenar todas as suas irmãs/ e todos os seus irmãos/ você recita o verso favorito da sua guerra: como é sublime saber amar”.
Ou ainda: “Hoje entendo que só possa haver uma alegria/ essa que se mantém no silêncio do tempo / emparedada na dúvida que nutre as orações / no corpo dos pequenos seres, das coisas que/ existem sem saber e precisam tanto de nós.”
Para entender “Sanduíche de Anzóis” não é preciso ser “tão monstro quanto você”, sequer se colocar “de joelhos diante da morte”. Talvez seja preciso, calcado na sua experiência de duas décadas de labor poético, colocar o ouvido na surda ressonância do seu novo tambor, cheio de versos dentro.
Escutar Paulo Scott através de sua poesia –como já o conhecemos pela prosa, outra magnifica invenção de sua genialidade– é navegar nesse mar de sentidos; melhor ainda: de sons alquebrados nas músicas dos nossos melhores tempos.
Fonte ==> Folha SP