Durante encontro recente com o presidente da França, Emmanuel Macron, o presidente Lula defendeu a mobilização de um fundo global de US$ 1,3 trilhão para combater as mudanças climáticas.
A proposta, correta em essência, esbarra, porém, em um paradoxo incômodo: o Brasil ainda desperdiça oportunidades internas, cancela projetos de energia limpa já contratados e segue paralisado diante do colapso iminente de um setor elétrico que clama por modernização regulatória.
É impossível pedir ao mundo uma contribuição trilionária se, no plano doméstico, faltam execução, governança e responsabilidade política. A crise atual, marcada por cancelamentos de usinas solares centralizadas no Nordeste e perdas bilionárias em projetos renováveis devido ao curtailment, é o resultado direto da omissão do Ministério de Minas e Energia em promover o novo marco legal do setor elétrico —algo prometido, mas jamais entregue.
Estamos diante de um setor que passou da concentração na geração centralizada para uma era descentralizada, conectada, digital e renovável. Entretanto, o Brasil continua operando sob regras de um passado analógico. A ausência de um novo arcabouço regulatório revela o fracasso de uma liderança que já soma quase três anos de gestão e ainda não apresentou nenhuma proposta estruturante com respaldo técnico ou legislativo.
Enquanto países desenvolvidos avançam com legislações modernas de armazenamento de energia, precificação de carbono e incentivos à digitalização das redes, seguimos com uma burocracia emperrada, que penaliza o investidor, inibe a inovação e obriga o país a renunciar à competitividade energética —justamente em um momento de protagonismo internacional rumo à COP30.
O resultado disso? Investidores internacionais frustrados; leilões de transmissão adiados; projetos de geração limpa arquivados. E, em muitos casos, comunidades inteiras ainda estão à margem do acesso à energia por falta de conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
Para se ter ideia da gravidade, somente em 2023, mais de 11 GW em projetos de energia renovável tiveram suas outorgas revogadas pela Aneel —um recorde histórico. Muitos desses empreendimentos haviam sido planejados para o Nordeste, região com o maior potencial solar e eólico do país, mas sem a infraestrutura de escoamento necessária e com um ambiente regulatório instável e desatualizado.
Não é possível defender uma pauta ambiental global com autoridade moral se internamente permitimos o desperdício de energia renovável em plena abundância. É preciso, antes de tudo, fazer o dever de casa: revisar o modelo institucional, aprovar o novo marco legal do setor elétrico e garantir segurança jurídica para quem investe na transição energética brasileira.
A agenda climática exige ambição, mas também coerência. Que o apelo por trilhões seja acompanhado de um plano doméstico sério, transparente e eficiente.
O mundo está atento — e o tempo está acabando.
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Fonte ==> Folha SP