Funcionários de uma empresa discutiam a realização de um almoço comemorativo, por adesão. De início, pensaram num restaurante de comandas individuais. Mas optaram por outro, que funciona com conta única. O tema era a divisão da conta.
Alguém sugeriu dividi-la pelo número de participantes. Outro defendeu que a conta deveria ser dividida proporcionalmente ao consumo de cada um. O diretor administrativo discordou. Disse que os funcionários mais humildes não teriam como participar da comemoração. Propôs que o custo fosse acertado previamente com o restaurante e dividido proporcionalmente ao salário de cada participante. Assim foi feito.
A alocação do custo de prestação de um serviço público é uma questão conceitualmente semelhante à divisão da conta do restaurante. É preciso criar um conjunto de regras para calcular a tarifa de cada usuário de tal forma que a soma dos pagamentos individuais iguale a receita requerida para manter o equilíbrio econômico-financeiro da prestadora do serviço.
Como fornecimento de eletricidade ou água são serviços concedidos na forma de monopólio, a receita requerida não deve ser deixada a critério das concessionárias. Elas abusariam, inflando os próprios lucros.
É preciso que agências reguladoras façam o cálculo tarifário considerando a amortização e justa remuneração dos investimentos, assim como os custos operacionais. Alternativamente, seria possível deixar que as tarifas resultassem de processo competitivo pela concessão do próprio serviço.
Em países com equilíbrio tanto orçamentário quanto de distribuição de renda, a cobrança de cada usuário não precisa ser contaminada pelo custo de atendimento aos demais usuários. Desde, é claro, que haja recursos fiscais para ajudar os hipossuficientes.
Folha Mercado
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No Brasil de hoje, superdesequilibrado, o melhor é aceitar que haja subsídio cruzado entre usuários. Idealmente, os de maior renda deveriam ajudar os de menor renda, como no caso do restaurante.
Porém, é preciso cautela na calibragem de políticas tipo “Robin Hood”. No setor de saneamento, as contas de água da indústria e comércio ficaram tão caras que às vezes é mais barato comprar água de caminhão pipa.
Trata-se de uma distorção que, além de encarecer a conta dos demais usuários, não faz sentido econômico: numa área urbana, transportar água por tubulação deveria custar menos do que por caminhão. Uma aparente boa intenção —proteger consumidores residenciais— foi um tiro que saiu pela culatra.
No setor elétrico, a maioria dos subsídios funciona com sinal trocado: tira dinheiro de quem menos tem para ajudar quem mais tem. É o caso dos descontos que beneficiam a utilização de energia solar, principalmente quando conectada à rede de distribuição. É um subsídio que já fez sentido, mas não faz mais. Subsiste graças à atuação de lobbies no Congresso.
Tanto o setor elétrico quanto o de saneamento necessitam diminuir custos e corrigir as regras de alocação. A tarefa tem sido grandemente dificultada nos últimos anos pela interferência do Congresso em temas eminentemente técnicos. Por exemplo, a criação de restrições que engessam a expansão de geração de energia elétrica em benefício de poucos empreendedores, à custa de toda a população.
Fonte ==> Folha SP