Fenômeno popular afeta brasileiros em dezembro e revela pressão por resultados, crise emocional e solidão em meio às celebrações
O mês de dezembro costuma ser retratado como um período festivo, de comemorações, encontros sociais, confraternizações e esperança. Mas, para um número crescente de brasileiros, o último mês do ano desperta justamente o oposto: ansiedade, tristeza, exaustão e uma sensação intensa de frustração. Popularmente chamado de “dezembrite”, o fenômeno vem ganhando atenção entre profissionais de saúde mental e especialistas em comportamento.
Embora não seja um diagnóstico clínico ou um transtorno psicológico, a dezembrite tem sido observada como um resultado emocional direto da pressão social e simbólica que o mês carrega. Dezembro é, ao mesmo tempo, a linha de chegada e o ponto de partida: é a hora de encerrar projetos, lidar com expectativas e convites sociais, avaliar conquistas e, na maioria das vezes, enfrentar memórias afetivas nem sempre positivas.
Segundo a psicóloga Priscila Lopes Ramos e Silva, o termo descreve um conjunto de emoções que emergem quando o ambiente social exige alegria, mas o indivíduo não se sente conectado a essa realidade. “No mês de dezembro, ele vai atuar como um fator ambiental para intensificar em alguns indivíduos sentimentos totalmente opostos, sentimentos como de tristeza, ansiedade e também muito desânimo”, explica. Para ela, a diferença entre a felicidade esperada e o estado emocional real aumenta a sensação de inadequação.
Um dos gatilhos mais comuns da dezembrite é a autocobrança. É neste mês que muitas pessoas fazem o balanço do ano e comparam sonhos com resultados concretos. Quando as metas ficam pelo caminho, surge a narrativa pessoal de fracasso. “Pessoas que analisam a sua vida no mês de dezembro e observam que os sonhos, as metas, os projetos não foram alcançados e, por estar encerrando o ano, sentem-se incapazes, sentem-se inferiores e até mesmo um sentimento de fracasso”, afirma a psicóloga.
Além do peso psicológico, dezembro também traz à tona preocupações com o futuro. O ano seguinte entra em cena antes mesmo de chegar, e isso alimenta a ansiedade com temas diversos: carreira, dinheiro, relacionamentos e mudanças pessoais. A antecipação gera tensão, especialmente entre pessoas com histórico de ansiedade. “Uma projeção ansiosa sobre aquilo que ainda vai acontecer e que não está no seu controle”, define Priscila.
Os encontros sociais, peça central da narrativa de fim de ano, também representam um desafio para quem vive a dezembrite. Festas corporativas, amigo secreto, encontros familiares e apresentações escolares formam uma agenda intensa, que sobrecarrega pessoas introspectivas ou sensíveis a ambientes com muitas demandas sociais. “Algumas pessoas não se sentem confortáveis em estar presentes em tantos encontros. São pessoas mais introspectivas, que não gostam tanto de socializar e se sentem obrigadas, neste período, a participar destes encontros”, observa.
A carga emocional pode ser ainda maior para quem viveu perdas recentes ou rupturas familiares. O simbolismo da data — celebração, presença, união — evidencia a ausência de pessoas importantes. O contraste entre a expectativa coletiva e a dor individual intensifica o sofrimento emocional e a solidão silenciosa. Por isso, dezembro pode ser um período de luto reativado, mesmo para quem já havia voltado à rotina.
Apesar do cenário sensível, a psicóloga defende que existem formas realistas e saudáveis de enfrentar esse período. O primeiro passo é reconhecer limites pessoais, longe da comparação com vidas idealizadas. Ajustar expectativas, valorizar conquistas individuais e registrar avanços reais podem ajudar a construir um senso de equilíbrio emocional. Para isso, Priscila recomenda estabelecer metas possíveis para o próximo ciclo: “É necessário que os indivíduos passem a ter metas mais realistas e avaliem de forma justa o seu ano, o que foi feito, e reconheçam seus próprios ganhos individuais”, orienta.
Outro ponto importante é lidar com consumo e gastos emocionais. Dezembro é um mês marcado por compras impulsivas, presentes, viagens e despesas com festas. A pressão para fazer parte desse cenário pode levar a decisões financeiras que agravam a ansiedade. Segundo Priscila, buscar equilíbrio é essencial: “Buscar por um equilíbrio nos gastos neste período é essencial, atentando sempre para a sua realidade financeira e não cedendo às tentações que este período oportuniza”.
Por fim, a psicóloga reforça a importância de saber dizer não a convites, expectativas externas e dinâmicas familiares desgastantes. Respeitar limites emocionais é uma maneira de reconstruir o sentido das celebrações. “Outra situação é saber dizer não a convites e estar com pessoas indesejáveis, aprendendo a se respeitar, atender às suas próprias necessidades e às suas vontades”, pontua.
A dezembrite revela uma tensão que vai além das festas: ela expõe a maneira como o tempo marca a vida emocional. Entender que a felicidade não é uniforme e que a experiência de dezembro pode ser múltipla é um caminho para transformar o fim de ano em um espaço de cuidado. Como conclui Priscila, a vida é feita de ciclos: momentos intensos passam, outros virão e podem ser reconstruídos com novas pessoas, novos projetos e novos sentidos.

Priscila Lopes Ramos e Silva
Priscila Lopes Ramos e Silva
Psicóloga especializada em Terapia Cognitivo Comportamental, com atuação voltada à saúde emocional de jovens, adultos e casais, com aprofundamento em transtornos de depressão, ansiedade e estresse. Pós-graduada em TCC pelo Instituto CETECC, comprometida com o bem-estar, desenvolvimento emocional e relações saudáveis.