BELÉM (PA) – Uma denúncia anônima enviada à CENARIUM traz à tona a preocupação com o futuro da educação em regiões remotas no Pará, onde o Sistema Modular de Ensino (Some), implementado na década de 1980, vem sendo gradualmente substituído por uma “central de mídia”, que transmite aulas via satélite
A medida, de acordo com os denunciantes, desconsidera a realidade de infraestrutura das comunidades atendidas, muitas das quais sofrem com fornecimento precário de energia elétrica e condições de vida desafiadoras.
O Some, criado como solução emergencial para levar o Ensino Médio a localidades onde a presença de escolas regulares era inviável, envolve equipes de professores que se deslocam até comunidades distantes, permanecendo ali por dois meses antes de partirem para outra localidade, em um ciclo contínuo. Em 2014, o sistema ganhou respaldo legal, quando a Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) regulamentou o funcionamento. Na contramão, segundo a denúncia, o governo estadual tem demonstrado intenção de desativar o programa, considerado “oneroso” pela gestão atual.
O plano para substituir o Some, conforme a denúncia, consiste em manter os alunos em salas de aula acompanhados por um “professor mediador”, que assiste à transmissão de aulas gravadas pela Secretaria de Educação do Estado (Seduc), com sede em Belém. Porém, a estrutura necessária para essa tecnologia está longe de ser uma realidade nas áreas onde o Some atua.
“Na localidade em que estou, na Vila Menino Deus (Igarapé-Miri), passamos vários dias sem energia elétrica […] é precário”, relata o denunciante. Em decorrência da falta de luz, as aulas presenciais foram suspensas e os professores organizam atividades impressas para minimizar a perda de conteúdo. “Estamos usando nossos próprios recursos para imprimir atividades, que são distribuídas uma vez por semana, com os alunos atravessando o rio em embarcações para buscá-las”, explica.
A falta de infraestrutura é um obstáculo constante e há, também, questões de segurança que agravam a situação. Em uma das comunidades atendidas, a Vila Santa Maria do Icatu, na cidade de Igarapé-Miri, o cenário de violência inclui ameaças de facções criminosas, incêndios criminosos e até casos graves de abuso sexual, inclusive o estupro de um aluno autista dentro da própria escola, segundo o denunciante. “A violência impede não apenas o trabalho dos professores, mas também o direito dos alunos ao estudo”, afirma.
Impacto social
A denúncia também ressalta a importância social do Some, que, em mais de 40 anos de funcionamento, formou profissionais locais que retornaram às comunidades como professores, enfermeiros e gestores. Para o denunciante, o modelo de ensino remoto proposto pelo governo desconsidera o impacto positivo gerado pelo contato direto entre alunos e professores, algo fundamental nas comunidades ribeirinhas e quilombolas atendidas pelo programa.
“A presença de um professor qualificado faz toda a diferença, especialmente para alunos de comunidades isoladas”, afirma o denunciante. Ele destaca que muitos alunos oriundos do Some já ingressaram em universidades e contribuíram para melhorar as condições de suas famílias e localidades. Em contrapartida, o modelo de ensino por televisão é visto com descrédito. “O professor mediador que assistirá às aulas pela TV com os alunos é de uma disciplina aleatória e repassa dúvidas aos professores responsáveis pelo WhatsApp”, ressalta.
Preocupação
Outro ponto de preocupação são as empresas envolvidas na produção das aulas em vídeo. De acordo com o relato, produtoras de vídeo, vindas de São Paulo junto com o atual secretário de Educação, Rossieli Soares, ex-ministro da Educação, seriam as responsáveis pela gravação das aulas. “Isso, claramente, é uma farsa, principalmente para ganhar dinheiro”, diz o denunciante.